Café Alexandrino - O lado aromático da vida

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Uma questão de perspectiva

Crônica



"Do rio que tudo arrasta se diz que é violento / Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem." Esses versos foram tirados do livro “Sobre a Violência”, de Bertolt Brecht, poeta e dramaturgo alemão que viveu no século passado. Medito sobre eles como quase nunca medito sobre poesia. Porque poesias não são escritas para serem meditadas, mas sentidas.

Mais que sentir, medito sobre esse trecho de Brecht. Ele fala sobre perspectivas, ângulos de visão. A minha visão, a sua visão; nossas diversidades. Quando nos deparamos com um problema gerado por outra pessoa, temos duas possibilidades: ou a julgamos de súbito, ou nos colocamos no lugar dela. Não raro optamos pelo julgamento precoce, pela impressão, pelo que parece ser. É quase inevitável tomarmos partido. Somos intolerantes por natureza. E a natureza humana tende a ser má, prima pelo instinto.

A perpetuação da espécie necessita de certo egoísmo. No meio animal é comum matar o outro se preciso for para garantir o seu espaço, proteger seu território, o seu modus operandi. Esta é a expressão máxima do egoísmo. Mas dos humanos se espera civilização, condição a qual o individuo se torna um pouco maleável em prol do próximo, da comunidade, de um “bem maior”.

Tem tudo a ver com o que chamam de “amar ao próximo”. E isso só é possível na medida em que você se coloca no lugar do outro. Afinal, é difícil amar quem não se conhece. Mas você pode muito bem se colocar no lugar do outro e amar a si mesmo. Digo “pode” porque também sei que tem gente que não se ama. Aí o problema é mais grave, torna-se algo patológico, doença.

Aqui opto por falar com aqueles que já se amam. Aos que ainda não descobriram este prazer – amar a si mesmo –, sugiro (de coração) que procurem ajuda. Para ajudá-los, há os psiquiatras para os mais céticos, há os líderes espirituais para os fervorosos. E há a opção dos dois para os inteligentes.

Aos que já se amam, no entanto, estimulo-os a amarem também ao próximo, a serem tolerantes com as diferenças. Se disserem “mas eu amo o próximo! ”, gentilmente os convido: amem mais! Não precisam ser rio violento que tudo arrasta; muito menos margens agressivas que comprimem o leito, o fluir gostoso da vida.

Se forem “rios”, que sejam belos, cristalinos de alma, que lavem o mundo que o circunda daquilo que é mau. Se forem “margens”, que sejam bondosas, acolhedoras, cheias de carinho, canteiros de safras férteis.

Espero, sinceramente, que esta seja uma das suas e das minhas perspectivas, apesar das nossas diversidades.

Ismael Alexandrino

*Este texto também pode ser lido na Revista Zelo, exatamente nesta página aqui.


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Degustando Chocolate Ferrero Rocher
Imagem: 'Cânion do Buracão' - Caetano Lacerda