Café Alexandrino - O lado aromático da vida

domingo, 5 de abril de 2009

Alquimia naval

Crônica

Acabara de ressuscitar uma paciente, quando sou chamado pelo rádio no pátio do hospital. Meu irmão, também médico, noticia-me que eu havia sido convocado para servir a Marinha do Brasil. Sinceramente, não sabia o que lhe dizer. Não verdade, não tinha o que dizer. Secou-me os lábios, minha fronte espontaneamente abaixou. Silenciei-me.

Atento e disposto, fui recepcionado por semblantes carregados, com pouco humor, hostis até. “Disciplina e Hierarquia são a base da nossa organização” –, bradavam. Sempre fora extremamente disciplinado; sempre respeitara hierarquias. Minha adaptação seria tranqüila, pensei. Ledo engano! Queriam mais: queriam aprisionar o meu espírito num grande corpo, diferente do meu. Amante da arte de fazer viver, agora deveria me preparar para a guerra, onde a morte – paciente – espera os audazes. De Poeta da Vida a combatente de guerra, de médico a Oficial Militar. Meu espírito livre deveria se transformar em espírito de corpo, saltar num abismo desconhecido e se unir a outros que juraram, outrora, dar a própria vida pela Pátria. Mais que transcendência; uma transmutação.

A idéia de militarizar-me chocava com quaisquer aspirações pregressas. Não por alguma tendência rebelde (não as tenho), mas talvez pelo medo de me despir do indivíduo, de me robotizar, tornar-me apenas mais um oficial rígido de coração e cérebro petrificados, tão somente cumpridor de infindáveis normas, e que sobrevive do Estado e para o Estado.

A tempo, descobri que a rigidez mórbida do mastro de um navio comporta a maleabilidade plácida de uma flâmula. E a flâmula verde-loura tremulante, altiva, esta sim me arrepia, emociona-me, faz-me olhar para o alto, por cima dos ombros de gigantes, desejando seguir em frente. Por certo, ainda indivíduo, sonhador. Mas em um vibrante e simbiótico espírito de corpo, numa inegável e legítima alquimia naval.

Ismael Alexandrino


Ao som de 'Hino Nacional Brasileiro'
Degustando Café Bela
Imagem: 'Cisne Branco' - Calovi