Café Alexandrino - O lado aromático da vida

domingo, 30 de dezembro de 2012

Ostras felizes e mortas não fazem pérolas


Um conhecido texto de Rubem Alves foi bastante lido em 2011 e 2012. Intitulado "Ostra feliz não faz pérola", a crônica que também deu nome a um livro do autor faz uma analogia da nossa criação no dia-a-dia ao modus operandi das ostras.

O título é auto-explicativo. Ele defende que as ostras que fazem belas pérolas são aquelas fechadas, tristes, ensimesmadas. As alegres, abertas, comunicativas com o que as cercam, não produzem jóia alguma.

Em 2011 e 2012, muitos amigos me perguntaram porque eu havia diminuído tanto –para não dizer parado – de escrever textos. Quem me conhece bem, sabe como me é prazeroso o processo da escrita. E como me dói não produzi-los.

Aproximando-me do texto de Rubem, certamente estive feliz nos últimos dois anos. No amor, então, pacifiquei. Por demais até. Encontrei uma pessoa ímpar, companheira, amável, e me casei. Acomodei. Corri perigo.

Destoando-me do texto de Rubem, certamente estive morto nos últimos dois anos. No trabalho, percorri caminhos que muitos gostariam de percorrer, mas se eu pudesse não tê-los percorrido, assim teria feito. Hoje percebo que fora necessário. Planos de Deus, alguns dizem. Teimosia minha, acredito. Corri atrás do vento, em torno do "rabo", girei tanto, que cauterizei a mente. Mais do que corri perigo. Morri.

Toda felicidade e toda morte são cômodas. Por isso deixei de fazer pérolas. Fiquei feliz demais em alguns aspectos, morri em outros. E em ambos, acomodei. Só que qualquer acomodação faz assentar poeira em cima, ou resíduos no fundo do poço – lugar em que cheguei.

Tudo necessário! Assim como o são a intermuda dos artrópodes, para desembocar na muda ou ecdise posteriormente, agora, muda-se o estágio. Balança-se a poeira do semblante e da bunda, revolvem-se os resíduos.

Muda-se de cidade, muda-se de emprego, mudam-se as condutas, traçam-se novos planos, retomam-se os sonhos. Recomeça-se.

Ostras felizes podem até não fazer pérolas, mas ostras mortas também não.

Ismael Alexandrino

Ao som de 'Por enquanto' - Cássia Eller
Degustando Suco de Lichia