Café Alexandrino - O lado aromático da vida

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Você, minha ilógica

Poesia


Gosto, e como gosto!, das tuas insuficiências.
Tolos são os que não te compreendem
Todos néscios, literais
Incapazes de abstrair
............... .[teu significado mais intrínseco.

Mas é aí que mais te gosto.
Quando percebo, por entre esta ligeira entranha
................................................[de largos dentes,
Uma doçura de voz que aplaca minha ira
E me tira do tédio, do tédio, do tédio.

Por que as vezes te incompreendo?
Não sei. Confesso.
A bem da verdade, eu sei.
Sei, sei sim. Mas não confesso.
Dói-me, nisto, parecer com os
..........................[que te fatigam.

Não te mereço, não mereço mesmo.
Não me mereces também, não mesmo.
Mesmo assim, te quero
Justamente por não te merecer.
Pois, d'outra forma, eu a teria como
............................[justa recompensa
E o amor perderia o seu encanto.

Mas assim -- não te merecendo --,
Terei-a como dádiva.

Ismael Alexandrino


Ao som de 'Dona' - Roupa Nova
Degustando Morangos com Leite Condensado
Imagem:'Ila e Ismael (Tinta Nanquim)' - Ismael Alexandrino

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Passarinhando

Poesia

Bem-te-vi no vitral da casa amarela
Bem-que-se-quis cantar como ele.
Ironia: tu -- presas e com frio --
Nunca cantarias com tanto vigor.

Só canta -- e sempre canta! --
quem voa entre as nuvens.
Só voa -- e sempre voa! --
um ser reconhecidamente alado.

Mas tu vives engaiolada,
amarrada a uma tornozeleira metálica,
carregando um pesado anel de ouro (seu fardo)...
além de teres pesados ossos não pneumáticos.

A despeito disso, ainda me perguntas
....................[com ousadia e esperança:
"Posso voar para o teu ombro?"

Ao que respondo com gracejo:
Se não me fores peso
como seus metais o são para ti,
Posa em meu ombro, Cotovia,
E canta meio-tom acima
para que todos notem tua siringe afinada
domesticada nos coqueiros tropicais.

Ismael Alexandrino


Ao som de 'Valsa para uma menininha' - Toquinho
Degustando Petit Gâteau com Sorvete de Creme
Imagem:'Eastern meadowlark in box' - Craig van der Lende

domingo, 26 de agosto de 2007

O amor não tem idade

Poesia

Do tempo que fui velho
poucas lembranças guardo.
Fumei muito cachimbo
e entortei a boca

entortei o braço

entortei o passo

e até o pensamento.

Fedia fumo

usava bengala

pé no chão

e um chapéu velho,

que era pra esconder
meus pensamentos entortados.

Pensei tanta besteira

cometi tanta leseira

esquecia-me do outros e até de mim.

Fui parar num asilo.

E lá conheci Dona Tortinha
-
brincalhona que só ela,

mais esquecida do que eu.

E no asilo, meu filho,
muitas cabeças brancas dão as mãos
debaixo das bandeirolas coloridas de São João.
E aí tem muitas brincadeiras de roda,

cirandas, rela-bucho e pé de serra.


Só sei, meu amigo,

que Dona Tortinha e eu

- dois velhinhos esquecidos -
demos as mãos
e nos esquecemos assim até hoje.

E de tanto brincar,
- tortos para o mundo,
certos para nós -
viramos crianças,
e, juntos, adolescemos
no fim da tarde.

Dizem por aí que esclerosamos...

Duvido muito, sabe!?


Ismael Alexandrino



Ao som de 'Andante' - Chopin

Degustando Café Expresso

:'Sempre juntos' - Flávio Moura

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Paradoxo Nacional

Ensaio

“Art. 1º - Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” (Lei nº 7716 de 1-05-1989).
Seria irônico pensarmos que, se as leis fossem deveras cumpridas no Brasil, poderíamos punir o Estado. As cotas universitárias para negros são uma prova de auto-inferiorização dos mesmos em relação à raça de linhagem branca. Tais vagas oferecidas funcionam como um paradoxo ao que é pregado no dia 20 de novembro, dia da consciência negra.

Ao ingressarem no curso superior sem haverem tido formação intelectual que os capacitem, os indivíduos negros podem não possuir habilidade de construção de opinião. Poderá manifestar, também, deficiência em suas visões tecno-científicas. Da mesma forma, podem não ter aptidão para argumentar e, provavelmente, nunca passaram por um grande desafio do conhecimento: o vestibular. De tal maneira, tais fatores podem desembocar em falta de interesse por parte do universitário negro que se aproveitou das cotas. E há o fator que faz com que o negro, mal preparado, não consiga acompanhar as aulas do 3º grau.

Processo quase exclusivo no planeta, o vestibular brasileiro, que é imparcial quanto à seleção (quando não há fraudes), se torna publicamente falho ao favorecer alguns. Na hora de ser beneficiado, todos querem ser negros e coitados. E há aqueles que se denominam “quase negros”, e que insistem em ser negros, apenas para aproveitar a entrada fácil.

O país do futebol dá mais motivos para ser visto externamente com maus olhos, por ter, para seu sistema educacional, medidas meramente paliativas (e péssimas) ao invés de erradicantes.

O branco, na maioria das vezes, tem oportunidades de desenvolver melhor seus estudos e, assim, atingir uma certa vantagem. Para corrigir o problema, não se deve dar manutenção à universidade, e sim investir no início da formação de um cidadão: o de base. Quando beneficiados os sistemas de ensino infantil e fundamental, o negro não mais necessitará de cotas e de ser coitado. Reduz-se então, paulatinamente, mesmo que a longo prazo, a medida de cotas, diminui a exclusão e equipara os candidatos ao profissionalismo.

A medida desleixada tomada pelo Governo pode fazer com que o mercado elimine os estudantes de cotas automaticamente, de forma cruel e darwinista, gerando desemprego. Isto não é preconceito, senão fatos com lógica e racionalismo, uma vez que se quer iniciar uma carreira a partir do nível avançado. Os negros não são, portanto, beneficiados, mas sim vítimas da hipocrisia social.

Gabriel Carvalho1


Ao som de 'All That You Have Is Your Soul' - Tracy Chapman
Degustando Café Preto com Raspas de Chocolate Branco

Imagem:'Man filling out bank deposit slip' - John-Francis Bourke

Gabriel Carvalho1, meu querido sobrinho, faz 2º ano do Ensino Médio no Colégio WR, em Goiânia-GO.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Mal(e)dito

Crônica


Tem gente que adora falar da vida alheia. Eu também. Só que procuro me conter. Tento ao máximo evitar a maledicência. O Livro Sagrado até ressalta que o homem que consegue dominar a própria língua, este homem é perfeito. Mas eu não sou perfeito. Que bom! Assim sinto menos peso em meus ombros tão fortes,e tão humanos.

De vez em quando é bom falar da vida alheia, é uma forma purgativa de auto-afirmação. Vomita-se comentários de que o outro não é tão bom quanto parece por isso e por aquilo, e que você -- que consegue fazer uma crítica "imparcial" -- é o tal, a penúltima coca-cola geladinha no deserto. Digo penúltima, porque a última é o seu amigo que te ouve e concorda euforicamente. Carlos Heitor Cony tem até uma crônica que fala sobre isso, o gosto por falar mal das pessoas somente por falar.


Lá no Livro Sagrado, no mesmo texto que menciona a língua, também tem uma interessante metáfora, a de um navio gigante que é controlado por um pequeno leme. Da mesma forma, o corpo humano, gigante que é, é controlado pela língua, minúsculo órgão, um pequeno leme que dita caminhos e descaminhos.


Comentar sobre alguém é algo natural, próprio do ser humano. Mas é fundamental cuidar para que o "comentário" não seja destruidor da moral do outro. Caso este outro realmente não tenha moral, esta falta será percebida por todos. Sendo assim, torna-se dispensável trazer tal fato à tona, reafirmá-lo.


Quem se envolve e gasta tempo falando de alguém moralmente duvidoso equipara-se a este. E quem se envolve e gasta tempo falando de alguém moralmente aprovado é uma pessoa moralmente duvidosa. Pois está tentando destruir uma moral, matar o outro socialmente e psicologicamente. Está tentando matar o seu irmão-humano... não com facas e pistolas, mas, caprichosamente, com a própria língua.


E isto, matar alguém --principalmente um irmão --, além de ser muito feio, não tem nada a ver com amar o próximo.


Ismael Alexandrino



Ao som de 'Maneiras' - Zeca Pagodinho

Degustando Tequila com Melancia
Imagem:'Woman wearing evening gown, carrying applo and knife, mid section' - David Stuart

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Dicionário Educado

Curtas

Quando alguém olha para você e estende aquele dedo do meio, ele está querendo dizer: "Escuta aqui, você não é mindinho, não é o fura-bolo e, muito menos, o cata-piolho! Você é o maior de todos, amigão!!! Você é o maior de todos!!!"

Rita Apoena1


Ao som de 'Manoel' - Ed Motta
Degustando Amanditas


Rita Apoena1 é poetisa.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Temporal

Poesia

O vento é vento
Até que chove.
E aí inundam-se
Os meus pensamentos
Umidifico os olhos
Perco a leveza
Paro de voar
E me afogo.

Ismael Alexandrino


Ao som de 'Red Dust' - Iron & Wine and Calexico
Degustando Vinho Tinto Seco, o Chileno Viña Carmen
Imagem:'A praia' - F. Monteiro

sábado, 11 de agosto de 2007

Sócrates e o Senador Renan Calheiros

Ensaio
Estou relendo o volume sobre Sócrates, da coleção Os Pensadores. As primeiras páginas, porém, chamaram-me particularmente a atenção, pois notei algumas semelhanças (e muitas diferenças!) entre o método e o contexto do filósofo grego e os discursos e caminhos do ilustre senador Renan Calheiros, tocante em especial aos fatos que o envolvem, por todos já conhecidos.

Permitam-me, desde logo, prezados leitores, uma brevíssima digressão para tentar estabelecer uns paralelos.

Se admitirmos como verdade a recorrente afirmativa do Presidente Lula de que “nunca na história deste país” se experimentou tão graúdo crescimento, sobretudo econômico, o contexto do cenário nacional apresenta, guardadas as medidas, claro, algumas boas interseções com a Atenas do século V a.C., o “século de ouro”. De um lado, segundo o governo federal (Era Lulismo), o Brasil avançou significativamente nos programas sociais e vem garantindo a estabilidade econômica, com a inflação sob rédeas firmes. Certo. Não custa reconhecer, embora com as sempre bem-vindas ressalvas, os méritos desse governo, para mim bem melhor que o dos tucanos. Ao contrário: aplaudir as benfeitorias, vigiando atentamente a coisa pública, via de regra serve de alimento vivo para que elas continuem a ocorrer – e por meios lícitos e morais. Aqui a lógica jamais pode ser a de que os fins justificam os meios. De outro lado, o “século de Péricles” representou o ápice da civilização ateniense. Graças à sua frota, Atenas dominou os mares e instaurou uma verdadeira talassocracia. Sob a proteção de Péricles, artistas como os escultores Fídias e Ictino embelezam a cidade com suas obras magistrais, enquanto pensadores de outras regiões do mundo helênico, como Anaxágoras de Clazômena e Protágoras de Abdera, trazem para Atenas os frutos das investigações filosófica e científica, inicialmente desenvolvidas nas colônias gregas da Ásia Menor e nas cidades da Magna Grécia (Sul da Itália e Sicília). Atenas tornara-se, pois, a “Hélade da Hélade”.

Fosse eu mais lúcido, não pensaria em voz alta o que me acabou de vir à mente: o Brasil seria, hoje, a “Hélade da Hélade”; Lula seria Péricles, com a irônica coincidência de ter sob sua batuta o investimento em vários artistas brasileiros, inclusive naqueles que disparam suas pobres máximas sobre ética e moral (quando não as ignoram), como Paulo Betti e Wagner Tiso; e Renan, Sócrates, assumindo o epicentro da política atual (ou politicalha, para lembrar a clássica distinção feita por Rui Barbosa em discurso proferido em 17/09/1917?).

Mas, voltando ao cerne da questão, o que encontrei de semelhante entre o filósofo e o político alagoano? Certamente não foram as cabeças de gado, caro leitor. Aquele, diferentemente deste, não era afeiçoado à pecuária. Pelo menos que eu saiba. Nem essa atividade exprimia o forte da civilização grega em geral, muito ligada aos mares. Ademais, Sócrates sempre se mostrou desprendido de bens materiais. Já o senador... Os lucros agropecuários de Renan impressionam, o que me faz crer que lá em Murici (AL), terra dos Calheiros, as vacas parem umas três vezes por ano, como sugeriu um hilário amigo; mas deixemos isso de lado, por enquanto. Debrucemo-nos sobre o método e o contexto socráticos, identificando a similaridade com os de Renan. O filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenareta dedicava-se, com vigor, à atividade de conversar, dialogar, principalmente com os jovens. Mas dialogar de modo que as pessoas justificassem os próprios conhecimentos, virtudes (aretê) e habilidades. Com esse objetivo inicial, levava o interlocutor a expressar opiniões referentes à sua própria especialidade, para, posteriormente, interrogá-lo a respeito do sentido das palavras empregadas. O resultado disso era, com freqüência, tornar patentes a fragilidade das opiniões de seus interlocutores, a inconsistência dos argumentos utilizados e a obscuridade de seus conceitos. Evidenciava-se, assim, a ignorância da própria ignorância. Uns aceitavam submeter-se à fase construtiva da dialogação socrática – uma oportunidade de verdadeiro renascimento, o renascer na consciência de si mesmo; outros, no entanto, enxergavam o desmoronar do prestígio em plena praça pública. Ou, ainda, tal atitude configurava-se o estabelecimento de questões e dúvidas ali onde havia séculos persistia a cega certeza dos preconceitos e das crendices.

Nesse passo, o ex-militante do Movimento Estudantil dos fins da década de 70 dirige esforços, igualmente, para a arte de dialogar (é da mesma forma certo que ele se empenha, com maestria até então desconhecida entre os maiores especialistas do país, no cultivo de gado. Deixemos, todavia e mais uma vez, os gados de lado. A minha teimosa insistência nesse assunto se deve, creio, a uma reprimida vontade de infância de ser fazendeiro, pecuarista, enfim, dono de bois, vacas...). Renan tornou-se, indubitavelmente, um dos mais hábeis e bem articulados políticos da atualidade. E isso, também, em muito o está ajudando a manter-se no cargo. Penso que por pouco tempo. Joaquim Roriz, ainda que longe de Renan em termos de expressão política, caiu por menos, e mais rápido do que a circulação do fato que o derrubou. Através de telefonemas, cartas, encontros pessoais etc., o ainda presidente do Senado apela aos colegas parlamentares, no intuito de ver, novamente, imperar a “cultura da impunidade”, patrocinada, em tempos recentes e com estarrecedora freqüência, por seus pares naquela Casa legislativa, com raras exceções. Apresentando vários documentos e burilando um discurso no fundo cheio de vazios, tentou convencer seus pares de que eles não tinham com o que se preocupar, bem como os argumentos contrários à sua tese restavam indignos de credibilidade.

Além disso, outro ponto assemelha os dois protagonistas deste ensaio: a serenidade da fala. A linguagem e o tom de voz do senador, nas entrevistas e nos debates mais acalorados acerca do tema, demonstram-se serenos – linguagem de quem fala em nome da própria consciência e não reconhece em si mesmo nenhuma culpa. Até aqui podemos traçar razoável paralelo com o método socrático, sempre resguardadas as devidas proporções. Sócrates, entretanto, diferentemente de Renan, não faz concessões, nem tenta costures políticos para safar-se daquilo que ele, justamente, negara. Com Calheiros se dá o inverso, e mais: ao perceber-se meio isolado e pressionado por colegas do próprio PMDB e de outros partidos, sem as achegas esperadas, desce o nível e chantageia seus pares, numa evidência de quem se vê às voltas com a iminente solidão política – desesperadora. O cinismo e a aparente cordialidade cedem, paulatinamente, então, lugar à truculência, à arrogância. O senador se depara com algo comum ao filósofo: a certeza de que mais difícil que evitar a morte é “evitar o mal, porque ele corre mais depressa que a morte” (no caso de Renan, a morte política, mesmo que com direito à ressurreição, graças à brevíssima memória dos brasileiros, em especial dos alagoanos).

Por derradeiro, outra afinidade tange ao aspecto descrença. Concernente a Renan, naqueles fantasiosos argumentos ou nas inconsistentes provas trazidas à colação; no que diz respeito ao filósofo ateniense, nas suas intenções discursivas. Diante do tribunal popular, ele é acusado pelo poeta Meleto, que lhe sugere a pena de morte; pelo influente orador e político Ânito e por Lícon, personagem de pouca importância. Para o nosso fim proposto, faz-se desnecessário detalhar o julgamento. Esse desenrolar é contado por Platão em Apologia de Sócrates, em três partes. Interessa-nos, com primazia, o Renangate. Nesse passo, o senador Demóstenes Torres (DEM – GO) é o poeta Meleto, com cujas poesias Renan disfarçadamente luta, sangra, se enfraquece, se empalidece; Jarbas Vasconcelos (PMDB – PE), Jefferson Perez (PDT – AM) e Pedro Simon (PMDB – RS) poderiam ser o Ânito do legislador alagoano. Uma peculiar diferença, contudo, reside no fato de que, no julgamento do filósofo, este consegue embaraçar um de seus principais acusadores, Meleto. A mestria de Renan não chega a tanto. Melhor para a República e para a sociedade. No Brasil é comum palavrórios substituírem o bom senso, além da deturpação da realidade para conferir-lhe uma roupagem mais agradável. Não obstante, o povo brasileiro precisa responder, indignadamente, a tantas falcatruas, mensalões, dólares, cuecas, vampiros, sanguessugas, gados...! Lembro-me agora do filósofo holandês Baruch Spinoza, quando sabiamente afirma, no capítulo 4 de seu Tratado Político, que “a nação erra quando cumpre ou tolera atos que a levam à sua própria ruína”. E logo adiante aduz com invulgar sapiência, referindo-se aos que encarnam a autoridade política: “eles também não podem dar-se em espetáculo ridículo, ou ignorar abertamente as leis das quais foram os autores. Eles não conservariam desse modo a sua majestade, pois não é possível ser e não ser ao mesmo tempo”. Rezemos para que os brasileiros façamos sentir o peso de nossa indignação, revolta e intolerância com toda sorte de corrupção e imoralidade. Ressuscitemos Spinoza!

Ou será que estas venceram a esperança e todos os valores ético-morais? Penso que não... Não estamos aqui condenados a conviver com o mundo do “descartável”, do “eu”, do descaramento político, da apatia social, da leniência com o crime e do exacerbado relativismo pagão. Resta-nos redescobrir-nos enquanto ser humano, resgatar-nos como consciência viva e nos reinventar, na oficina diária da vida.

Um abraço e até a próxima!

Yuri M. Brandão1


Ao som de 'Esse cara' - Caetano Veloso e 'Poder' - Arnaldo Antunes
Degustando Pizza
Imagens:'A Escola de Atenas'(detalhe) - Rafael Sanzio e 'Renan Calheiros' - Revista Veja


Yuri M. Brandão1 é articulista do Jornal Gazeta de Alagoas, professor de redação e de filosofia, e concluinte de Direito.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Porque eu gosto da “igreja universal”!

Crônica


Século XXI, época de inovações tecnológicas e de constantes avanços no âmbito do conhecimento. Período de amplo desenvolvimento industrial e de estudos que procuram explicar, passo a passo, o galgar gradativo do homem sobre a Terra. Geômetras, filósofos, teólogos, lingüistas, antropólogos, físicos, biólogos, gente de toda sorte em busca de respostas iminentes para os problemas universais. Ao mesmo tempo, há os que buscam saídas insólitas e desprovidas de quaisquer atributos de seriedade e decência para as dificuldades inerentes ao homem contemporâneo – a mim e a você, caro leitor! E por essa razão transformam-se em verdadeiros “gurus”, detentores de “fórmulas mágicas”, supostamente capazes de solucionar as maiores intempéries humanas.

Bell, em 1876, cria o primeiro telefone de que se tem notícia; Edson, que ao longo da vida registrou 1033 patentes, criou, pelos idos de 1879, aquela que se tornaria sua mais popular descoberta, a lâmpada elétrica; Dumont, depois de muitas tentativas, conseguiu, no início do século passado, decolar com seu 14 Bis, e é considerado por boa parte da comunidade científica internacional o inventor do avião. Como eles, é grande o número dos que ainda hoje se detêm em experiências científicas, estando sempre à procura de algo, sob o impulso da inspiração, banhada pela transpiração do laborioso e digno ofício.

Infelizmente, na passagem diacrônica dos séculos, sempre houve aqueles que pretenderam burlar o bom senso acadêmico e deturpar a razão com subterfúgios insustentáveis. Para esses insensatos, não há, geralmente, compromisso com a verdade ou com a lisura dos fatos. O mundo religioso que o diga.

Os povos pré-cristãos já conviviam com a figura dos charlatões, que exploravam a fé ingênua do povo, vendendo poções mágicas e miraculosos elixires. Também nessa linha, velhos filmes de faroeste comumente mostram protótipos desses espertalhões anunciando garrafadas, que são verdadeiras panacéias para todos os males do corpo e, às vezes, também da alma. O próprio Jesus convidou a ter especial atenção com os “falsos profetas”.

Mas o que ultimamente tem chamado minha atenção, de fato, é a criatividade e a ousadia sem limites de algumas seitas cristãs ditas neo-pentecostais, como é o caso da igreja universal do reino de Deus, criada no final dos anos 70 pelo Pastor Edir Macedo – que se autonomeou bispo.

Embora não mais estejamos no período neolítico, em diversos momentos, parece que o tempo retrocedeu e nos mandou de volta a um passado do qual não são boas as lembranças. Não obstante a presença de filósofos e pensadores de diversas linhas teóricas, ou de profetas e sábios guardiões dos ensinamentos divinos, os primeiros séculos revelam-se repletos de casos de comportamentos primitivistas, calcados em deturpações morais e sociais, muitas vezes geradas pela falta de letramento e visão de mundo da população.

É para esse contexto arcaico da vida humana que me sinto enviado quando me deparo com os programas televisivos da igreja universal. Em um misto de humor e indignação, assisto perplexo ao caos religioso para o qual a sociedade moderna vai se encaminhando. Há um bom tempo, as reflexões deixaram de ser evangélicas ou catequéticas e passaram a visar unicamente ao enriquecimento mágico e alucinante – “sinal de benção”. Os recursos pecuniários tomam a cena e os versículos bíblicos vêm, com velocidade assombrosa, perdendo espaço para os cifrões. É a santa, fraterna e salvífica pobreza cristã sendo engolida pela voraz idéia de prosperidade a todo custo.

Por falar nisso, vale a pena entender de que se trata essa tal de teologia da prosperidade, mola mestra nas falas dos discípulos do bispo Macedo. Trata-se de uma substituição do Evangelho da Graça, pelo “evangelho” da ganância. Oral Roberts, um dos principais pregadores dessa heresia, chegou a escrever um livro intitulado How i learned Jesus Was Not Poor (“Como aprendi que Jesus não foi pobre”). É comum ouvirmos da boca dos pregadores da prosperidade frases do tipo: “Você é filho do Rei, não tem por que levar uma vida derrotada.” A princípio, uma frase dessas pode até parecer justa, mas o que muitos talvez não saibam é que, para esses pregadores, “vida derrotada” = ser pobre, ter dificuldades financeiras, ficar doente etc. Dias atrás, ouvi apresentadores macedianos afirmarem que o apóstolo Paulo jamais esteve doente. Pensei: será que eles se basearam em alguma passagem das cartas escritas pelo apóstolo? Quem sabe no seguinte trecho:

“E vós sabeis que vos preguei o evangelho a primeira vez por causa de uma enfermidade física. E, posto que a minha enfermidade na carne vos foi uma tentação, contudo, não me revelastes desprezo nem desgosto; antes, me recebestes como anjo de Deus, como o próprio Cristo Jesus”.(Gal.4.13,14).

É, acho que não!

São estes, portanto, os princípios norteadores da teologia da prosperidade: a riqueza, a saúde intocável, a juventude eterna, o luxo a qualquer custo, qualquer mesmo! Daí atraírem tantos adeptos. O povo, na verdade, muitas vezes carente e abalado emocionalmente, desistiu de sonhar com Jesus, de caminhar com ele; vale o que vier primeiro. O que primeiro oferecer uma rosa santa, um cajado iluminado, uma tocha milagrosa, uma pulseira do poder, um sabonete para lavar todos os males e “descarregar encostos” – seja lá o que for isso – ou qualquer outra bugiganga dessas da igreja universal.

Mas, enfim, por que acabei gostando deles? Por reconhecer, caro leitor, que eles já não se envergonham mais de desprezar a Cruz de Cristo. São pessoas honestas em suas propostas, que as anunciam bem claramente em canais abertos de rádio e tevê para quem quiser ver e ouvir, como eu. Não se acanham diante da cretinice explícita e desenfreada. É bonito ver como ainda existem pessoas de coragem, prontas a defenderem seus ideais (sobretudo quando rendem milhões).

Se já gostava, passei a gostar ainda mais quando descobri que também faço parte da grande nação dos 318, tão propagada pelos queridos amigos. É que um colega observou que a placa do meu carro é 0318. Que bom! Também sou da nação dos abençoados!

Deus nos salve!

Eduardo Sampaio1


Ao som de 'Castelo forte' - Martinho Lutero
Degustando Curaçao com Carpaccio de Salmão
Imagem:'La Promesse' - René Magritte


Eduardo Sampaio1 é lingüísta e professor de língua portuguesa em Alagoas.