Café Alexandrino - O lado aromático da vida

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Colônia de férias

Poesia

Há, e não tem quem negue,
Certa irritação em meu semblante.
"Donde vem?" –, perguntas.
Deste Estado, desta União.
Desta indecência democrática
Que me obriga a sentar por horas a fio
Diante de um hipócrita que tenta
Inculcar-me certa paixão.

Refuto-os! Todos!
Em silêncio, no entando sob
Pena de um sono no Bailéu.
"Disciplina e Hierarquia!" –, bradam.
"Palhaçada!" –, digo eu.
Teatro de fantoches mal treinados,
Soldadinhos de chumbo,
'João-Bobos' retardados.

Querem aprisionar o meu espírito
No que chamam "espírito de corpo".
Pois meu espírito, Senhores, rebelou-se;
Quer divagar fora do corpo
Por essas matas ao derredor,
Cansadas de serem pisadas por pés raivosos.

Desconfio, Confrades, que querem amarrar
O meu espírito numa farda passada com preciosismo.
Querem, por certo, matar minha paixão,
O encatamento que eclode em meu peito.

Não sou mais uma pessoa,
Apenas um Posto
Pelo qual alguns me cumprimentam
E a outros devo cumprimentar solenemente
E com corpo esguio.

Abandonei minha personalidade;
O genótipo tão carinhosamente
Dado por meus pais transformou-se
Em dois sapatos engraxados,
Meias limpas,
Uma calça com vincos,
Uma camisa social cheia de insígnas,
Uma camiseta alva segunda-pele,
E um chapéu cafona.
Desconhecia, enquanto simples cientista médico,
O poder destruidor dos genótipos.
Jurei, outrora, dar o melhor de mim
Para salvar vidas.
Era um sonho romântico, admito.
Um sonho nobre, sem quaisquer malícias.

Mas o novo que me tornei é forçado
A jurar dar a própria vida por uma instituição.
A vida perdera o valor!
Institucionalmente, agora sou treinado para matar.

Queria, de fato, poder matar idiossincrasias...
A fome, por exemplo, ...
As dores alheias.
Mas acabei matando
O amor, o encanto, a paixão.
E agora, Senhores, estou pronto
Para matar a vida que passa
E depois a mim.

"Qual o sentido?".
Desconheço!
"Qual a direção?"
Meia-volta, volver! – talvez.
Mas já é tarde, Senhores.
E só me resta caminhar
Para o leito de morte
Do espírito,
E do corpo.

Nuno Rossi


Ao som de 'Cálice' - Chico Buarque
Degustando Água com Biscoito Água e Sal
Imagem: 'Colônia de férias' - Stella Brasil

3 comentários:

Anônimo disse...

Esse talento eu não conhecia! Fiquei fã. Abraço! Bruno

Anônimo disse...

Que lindo blog!!!!!
Amantes de poesias são raros nos dias atuais, que bom saber que ainda existem.
Um abração da sua agora fã
Elaine Brum

Anônimo disse...

te admiro muito e adoro suas poesias ! valdirene sta monica***-**********************************************