Café Alexandrino - O lado aromático da vida

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Negação deles

Artigo


Há muito tentamos negar a existência do outro em determinadas situações. Falo assim, não de um outro qualquer, nem devia distingui-los, pois seria preconceito, mas para aclarar a cena, me refiro aos menos favorecidos ou marginalizados da nossa sociedade. Eles estão ali, bem a nossa frente, onde o prosaico e comum da mania de consumo é rotineiro em nossas vidas. Nas filas das lotéricas, nos caixas dos supermercados, no semáforo “vermelho” das grandes vias públicas, “nas esquinas do Brasil”. Que bom serem públicas, pois ao menos, diga-se de passagem, permitem a esses indivíduos a busca pela sobrevivência, ante a nossa impotência, sob a qual ou reduzimos o egoísmo, ao dar-lhes a esmola desejada, dada ao apelo direto pela mão estirada, ou por negligência, preferimos negá-los.

Será que podemos negá-los? Essa seria uma interrogação, que não se refere só às políticas públicas, mas, sobretudo à sociedade civil, à qual cabe por dever manter a seguridade e consistência do conceito de civilização.

Fisicamente falando, seria inadmissível negar a existência de um corpo material, dotado de energia “condensada” como afirmava Einstein. Numa visão ontológica, seria um aviltamento, um desrespeito nosso à condição humana desamparada pela ordem antrópica e no mais, uma tamanha abjeção a um dos valores concernentes a existência do ser chamado dignidade. Esses indivíduos, digo os “marginalizados” estão aí, não só para enfearem as belas ruas, praças, ou áreas de lazer de nossas cidades, mas sim, para apontarem a que ponto chegou nossa impotência ou egoísmo perante uma ordem, a qual impera historicamente ao longo do tempo. A esse respeito, surgiriam os inconformados, nos dizendo que o governo, a sociedade civil está fazendo algo. Aquele reprovou há pouco, a famosa CPMF - imposto que sacava diretamente das contas de quem tem mais para uma inúmera parcela flagelada do nosso povo brasileiro. Essa com suas ONGs, show populista e campanhas de assistencialismo, banca o “bom selvagem” nos dizendo que a obrigação está sendo feita.

Diante desse quadro desolador, ou talvez incoerente com o conceito de desenvolvimento sustável e humano, sobretudo das grandes cidades, não adianta fugir para “Passárgada”, ou seja, qualquer reduto de uma vida interiorana. Fala-se assim, discorrendo sobre aqueles, que “pensam” ainda não existir nas pequenas cidades do interior uma acrescida marginalização. A esse exemplo, “as caixas de engraxates”, carregadas pelas responsabilidades das crianças com seus rostos sujos, outrora sagazes, denunciam a maneira de pedir, negação dos direitos, de uma vida e de conseqüências severas para uma sociedade complexa como já se encontra a brasileira, na sua infindável sordidez.

Essa idéia, portanto, de tentarmos negar a existência dos pedintes, junto às suas histórias de vida, é infundada. O que temos a fazer é enfrentar o marginalizado na cara-a-cara, olho no olho, não divagando sobre a sua personalidade, o que o mesmo fará com essa “pechincha”, ou que a mesma só alimentará essa conjuntura viciosa do subumano, parafraseando Friedrich Nietzsche – “às vezes, por amor à humanidade, abraça-se um ser qualquer (porque não se pode abraçar toda a gente): mas é precisamente isto que não se deve revelar ao tal ser qualquer...”. Pois a mão aberta, sequiosa por saciedade, seja ela da ordem biológica ou psíquica, quando tocada pela simples textura do alimento ou moeda, ao menos diminui o nosso egoísmo, justifica nossa impotência, e quando muito, alarga o nosso sentimento de fraternidade.

Fábio Lisandro¹


Ao som de 'Meu guri' - Chico Buarque
Degustando Pão Seco
Imagem: 'Drama e contraste - Exclusão Social= Flávio Cruvinel Brandão


Fábio Lisandro¹, estimado amigo, é acadêmico em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas - UPE, e autor do livro "Vencendo determinismos - Reminiscências de um Estudante".

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