Café Alexandrino - O lado aromático da vida

quinta-feira, 20 de março de 2008

Sala de embarque

Crônica

Nem parece que há pouco mais de seis horas eu estava em outro continente. David, Manu e Benhur me ligaram se dispondo a me deixar no aeroporto em Recife, e estavam mesmo lá. Mas tia Jazeel passaria mais cedo que eles lá em casa. Flávio sairia tarde do trabalho, não chegaria a tempo. Rodrigo bem que tentou, mas o trânsito também o impedira de chegar antes do meu embarque. Mamãe, meus irmãos, e meu amor me ligaram do centro do país me desejando uma boa viagem. Em todos eles percebi certa labilidade emocional, e uma nostalgia na voz ou no semblante.

Viajar para outro país – independente do motivo e do tempo em que vai ficar – causa anseio em quem vai, receio em quem fica. Imagino que a ansiedade e o receio moram no desconhecido. Mas, e na distância, o que mora? Na distância mora a saudade.

E na saudade...Ah!, na saudade... Na saudade mora o amor. Não que não exista amor quando não há saudade, mas é que quando se está perto e não há saudade, parece que o amor fica dormindo. Aquele sentimento bem completo com facetas incontáveis, quando se está perto, dá chance às suas pequenas partes que o constitui aparecerem. Então se percebe o carinho, o zelo, a dedicação, o olhar singelo, a compreensão, o companheirismo. Mas tudo isso intensifica quando há distância, quando há saudade. E aí o amor pulsa, arrebenta o peito como lava de um vulcão incandescente.

Viajar para outro continente – independente do motivo e do tempo em que vai ficar – causa uma dose ainda maior de anseio em quem vai, e mais receio ainda em quem fica. Como serão os costumes? Como a cultura se manifesta? E o aspecto financeiro com as conversões incessantes de moeda? A comida? O transporte? O idioma? E os novos amigos, eles existirão? A cabeça fervilha buscando obedecer ao plano inicial; o coração tenta desacelerar e achar seu ritmo original.

Aqui em Lisboa, onde aguardo uma conexão para o meu destino final daqui a aproximadamente uma hora e meia, aproveito para escrever esta crônica. Está um frio discreto, cerca de dez graus centígrados. O clima ameno me convida a mais uma dose de café quente. Aceito o convite, mesmo sabendo que a cafeína de tal bebida acelerará um pouco mais meu coração ansioso, com certo receio, com muito amor, e cheio de saudade.

Almoçarei em Milão. Certamente, um paraíso gastronômico. Fã que sou da culinária italiana, não tenho quaisquer dúvidas de que meu paladar será saciado. Mas imagino que quanto melhor a companhia, mais saborosa se torna a comida. Lembro-me da palavra “comunhão”, que significa “comer junto”. Comer junto de alguém que se ama deixa a comida mais gostosa. O contrário, comer junto de alguém que não se gosta, tira o sabor das guloseimas. E comer sozinho não chega a ser um destempero, mas falta o toque final que dá o sabor refinado. Como estou longe de todo mundo que amo, imagino que o almoço será gostoso por ele mesmo, mas sem adicionais que possam lhe apurar o sabor.

A voz de timbre metálico anuncia que meu vôo não terá atraso. Olho para o lado à procura de um pão de queijo feito na hora antes de embarcar. Não encontro. E novamente me vêm lembranças. Que saudades do café da manhã que minha mãe prepara cheios de quitutes caseiros preparados com amor! Ah!, o amor... o amor mora nas lembranças; o amor mora na saudade.

Ismael Alexandrino, Lisboa


Ao som de 'Chega de saudades' - Vinícius de Moraes
Degustando Café Expresso
Imagem: 'Sobrevoando Turim' - Ismael Alexandrino

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