Café Alexandrino - O lado aromático da vida

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Os pássaros e os poetas

Crônica

É madrugada no Velho Mundo, e acabo de descobrir o que nunca passara pela minha cabeça: há pássaros que têm insônia. Nunca soubera disso. Para mim, os pássaros eram como as galinhas e patos, que buscam se acomodar para dormir, tão logo o sol dá sinais que está virando as costas. Mas não é bem assim.

Desde menino gosto de ouvir pássaros cantando. Já criei canários-belgas que cantavam quase o dia todo; meu pai até os imitava. Mas às vezes eu achava que o canto não era de alegria, mas de protesto por estarem presos. Hoje eu não criaria pássaros em gaiolas. Porque pássaros nasceram para serem livres, brincarem de voar, fazerem ninhos com restos de gravetos, dançarem para o acasalamento, fazerem bagunça nas poças de água, e cantarem quando estiverem emocionados.

Também os humanos nasceram para serem livres, andarem por onde quiserem, dançarem, namorarem, fazerem seus ninhos, e dormirem onde, como, com quem e quando quiserem. Mas há humanos que adoram prender outros humanos em gaiolas, ditar-lhes regras, cartilhas que, segundo eles, são para manter a ordem. Que ordem? Fico pensando...

Olho para os pássaros livres e só vejo alegria nos seus olhos, música nos seus bicos e paz nos seus vôos. Pássaros presos em gaiolas são silhuetas de tristeza, fragilidade, e morrem facilmente. Os humanos seriam diferentes? Quando vejo um que está somente obedecendo a regras, agindo como robôs programados, cantando apenas para ganhar mais ração, o que observo são semblantes carregados, sem humor, hostis, destemperados, frágeis nas suas emoções, sem vida. Incapazes de cantar como pássaros livres.

Por isso que nasceram os poetas. Poetas são pássaros que não agüentaram ficar presos nas gaiolas sociais e aí batem asas nos seus versos, fogem no ritmo das suas estrofes, saltitam nas suas rimas para fora das muralhas impostas, pulam de letra em letra, inventam palavras, criam outro mundo. Desde tenra idade gosto de ouvir os poetas. Ouvi tanto que, de início, mimetizei. Depois me tornei um deles. Contraventor. Pássaro livre.

Mas eu falava no início que eu acabara de descobrir que há pássaros com insônia. E como cantam bonito! A acústica do silêncio noturno é perfeita. Fiquei com imensa curiosidade de saber de que espécies são, quais são suas cores, seus instrumentos musicais. Porque também sei que existem poetas com insônia. Quando todo mundo dorme e as gaiolas são abertas pela escuridão da noite, lá vai eles escrever, inventar, criar mundos outros, exercer a liberdade que a condição humana carece.

Hoje em dia, quando vejo pássaros engaiolados, me dá profunda vontade de abrir suas gaiolas, dar-lhes asas. Da mesma forma, quando vejo humanos presos, me dá profunda vontade de abrir suas mentes, dar-lhes poesias.

Ismael Alexandrino


Ao som de Canto de Pássaros
Degustando Água com Gás
Imagem: 'Canário da Terra' - Tiago Degaspari

4 comentários:

Anônimo disse...

Bom dia Ismael.

Ótima crônica, parabéns pelo BLOG e tudo bem em utilizar a imagem, só têm um detalhe: Tiago Degaspari, mas to acostumado pois todo mundo "corta" meu sobrenome ao meio.

Abraços.

Anônimo disse...

Ismael, parabèns, gostei muito de seu modo de escrever. Abraço e luz...

Sonia (Mariana Brasil)...

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog, genial!
Até
http://sex-appeal.zip.net
http://cara-nova.zip.net

Unknown disse...

Meu Caro Amigo Ismael!

Parabéns pela crônica. Muito expressiva e pertinente nesse momento por quem vive a solidão moderna. No mais, obrigado por retratar de forma excepcional a sinestesia e sensibilidade dos poetas, assaltados por pensamentos e cantores da vida tal quais os pássaros.

Fabio Lisandro.