Café Alexandrino - O lado aromático da vida

sexta-feira, 14 de abril de 2006

Compreensão

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Monólogo



Eu sei das tuas tensões,
dos teus vazios e da tua inquietude.
Eu sei da luta que tens travado à procura de Paz.
Sei também das tuas dificuldades para alcançá-la.
Sei das tuas quedas, dos teus propósitos não cumpridos,
das tuas vacilações e dos teus desânimos.

Eu te compreendo...

Imagino o quanto tens tentado para resolver as tuas preocupações
profissionais, familiares,
afetivas, financeiras e sociais.
Imagino que o mundo, de vez em quando,
parece-te um grande peso que
te sentes obrigado a carregar.
E tantas vezes, sem medir esforços.
Eu conheço as tuas dúvidas,
as dúvidas da natureza humana.
Percebo como te sentes pequeno
quando teus sonho acalentados vão por terra,

quando tuas expectativas não são correspondidas.
E essas inseguranças com o amanhã?
E aquela inquietação atroz em não saberes
se amanhã as pessoas que hoje te rodeiam ainda estarão contigo?

De não saberes se reconhecerão o teu trabalho,
se reconhecerão o teu esforço.
E, por tudo isto, sofres, e te sentes como um barco sozinho num mar imenso e agitado.
E não ignoro que, muitas vezes,
sentes uma profunda carência de amor.
Quantas vezes pensaste em resolver definitivamente
os teus conflitos no trabalho ou em casa.

E nem sempre encontraste a receptividade esperada
ou não tiveste força para encaminhar a tua proposta.

Eu sei o quanto te dói os teus limites humanos e
o quanto às vezes te parece difícil
uma harmonia íntima.
E não poucas vezes,
a descrença toma conta do teu coração.
Eu te compreendo...

Compreendo até tuas mágoas,
a tristeza pelo que te fizeram, a tristeza pela incompreensão que te dispensaram,
pelas ingratidões, pelas ofensas,
pela palavras rudes que recebeste.
Compreendo até as tuas saudades e lembranças.
Saudade daqueles que se afastaram de ti,
saudade dos teus tempos felizes,
saudade daquilo que não volta nunca mais...

E os teus medos?
Medo de perderes o que possuis,
medo de não seres bom para aqueles que te cercam,
medo de não agradares devidamente às pessoas,

medo de não dares conta,
medo de que descubram o teu íntimo,
medo de que alguém descubra as tuas verdades e as tuas mentiras,
medo de não conseguires realizar o que planejaste,
medo de expressares os teus sentimentos,

medo de que te interpretem mal.
Eu compreendo esses e todos os outros medos que tens dentro de ti.

Sou capaz de entender também os teus remorsos,
as faltas que cometeste,

o sentimento de culpa pelos pequenos ou

grandes erros que praticaste na tua vida.
E sei que, por causa de tudo isso,
às vezes te encontras num
profundo sentimento de solidão.
É quando as coisas perdem a cor,
perdem o gosto e te vês envolto
numa fina camada de indiferença pela vida.
Refiro-me àquela tua sensação de isolamento,
como se o mundo inteiro fosse indiferente às
tuas necessidades e ao teu cansaço.
E nesse estado, és envolvido pelo tédio e cada ação ou obrigação
exige de ti um grande esforço.

Sei até das tuas sensações de estares acorrentado, preso;
preso às normas, aos padrões estabelecidos,

às rotineiras obrigações:
"Eu gostaria de...
mas eu tenho que trabalhar,
tenho que ajudar,
tenho que cuidar de,
tenho que resolver,
tenho que esperar,
tenho que!...".
Eu te compreendendo...

Compreendo os teus sacrifícios.
E a quantas coisas tens renunciado,
de quantos anseios tens aberto mão!...
E sempre acham que é pouco...
Pouca coisa tens feito por ti e tua vida,
quase toda ela, tem sido afinal dedicada a satisfazer outras pessoas.
Sei que, nas tuas horas mais amargas, a não conformidade e
a revolta afloram em teu coração.
Revolta com a injustiça do mundo, revolta com a fome,
as guerras, a competição entre os homens,
com a loucura dos que detêm o poder, com a falsidade de muitos,
com a saúde da família, com a repressão social e com a desonestidade.

Por tudo isso, carregas um grau excessivo de tensões,
de angústia e de ansiedade.

Sonhas com uma vida melhor,
mais calma, mais significativa.
Sei também que tens belos planos para o amanhã.
Sei que queres apenas um pouco de segurança,
seja financeira ou emocional, e sei que lutas por ela.

Mas, mesmo assim, tuas tensões continuam presentes.
E tu percebes estas tensões nas tuas insônias ou no sono excessivo,
na ausência de fome ou na fome excessiva,
na ausência de desejo ou
no desejo excessivo,
na vontade de sair de casa cedo e não querer marcar hora pra voltar.

O fato é que carregas e acumulas tensões sobre tensões:
tensões no trabalho, tensões na família,
nas exigências e autoritarismos de alguns,
nas condições inadequadas de salário e na inexistência de motivação,
nos ambientes tóxicos dos hospitais,
na inveja dos colegas, no que dizem por trás.
Tensões na família, nas dependências devoradoras dos que habitam a mesma casa;
nos conflitos e brigas constantes, onde todos querem ter razão;
no desrespeito à tua individualidade,
no desrespeito à tua autonomia,
no controle e cobrança das tuas ações.

Eu te compreendo, e te compreendo mesmo.

Eu te Compreendo, mas discordo.

Tu és o único responsável por todos
estes sentimentos.
A vida te foi dada de graça e existem, em ti,
remédios para todos os teus males.
Se, no entanto, preferes a autocomiseração
ao invés de mobilizares as tuas energias interiores,
então nada posso te oferecer.

Se preferes sonhar com um mundo perfeito, sem máculas,
ao invés de te defrontares com os limites de um mundo falho e humano,
não posso dividir sua carga.

Se és demasiadamente cartesiano, imaleável,
não posso demovê-lo e ajudá-lo.

Se preferes lamentar o teu passado e encontrar nele desculpas;
se optastes por tentar controlar o futuro,
-- o que jamais controlarás com todas as suas incertezas --;

se resolveste responsabilizar as pessoas que te rodeiam
pela tua incompetência em tratar com os aspectos negativos delas,
em nada posso te ajudar.

Se trocaste o auto apoio e o apoio mútuo
pelo apoio e reconhecimento do teu ambiente apenas,
então em nada posso ampará-lo.

Se queres ter razão em tudo que pensas;
se queres obter piedade pelo que sentes;
se queres a aprovação integral em tudo que fazes;
se escolhestes abrir mão de tua própria vida,
para comprares o reconhecimento dos outros,

-- através de renúncias e sacrifícios --
em nada posso te auxiliar.
Se entendeste mal o silogismo:
"Amar ao próximo como a si mesmo",
esquecendo-te da premissa maior de AMAR A SI MESMO,
não posso de ajudar.

Se não tens um mínimo de coragem para
estar com teus próprios sentimentos,
sejam agradáveis ou dolorosos;
se não tens um mínimo de humildade para te perdoares pelas tuas imperfeições
e reconhecer-te como humano;

se desejas impressionar os outros e
angariar a simpatia para teus sofrimentos;
se não sabes pedir ajuda e aprender
com os que sabem mais do que tu;
se preferes sonhar, ao invés de sonhar e viver o hoje,
ignorando que a vida é feita de altos e baixos,
nada posso te oferecer.

Se achas que pelo teu desespero as coisas acontecerão magicamente;
se usas a imperfeição do mundo para justificar
as tuas próprias imperfeições;
se queres ser onipotente,
quando de fato és simplesmente humano;
se preferes proteção à tua própria liberdade;
se interiorizaste em ti desejos torturadores;
se deixaste imprimirem-se em tua mente
venenosas ordens de:
"Apressa-te!",
"Não erres nunca!",
"Agrade sempre!";
se escolheste atender às expectativas de todas as pessoas;
se és incapaz de dar um Não quando necessário,
se és incapaz de aceitar um Sim quando carece,
em nada posso te ajudar.

Se pensas ser possível controlar o que os outros pensam de ti;
se pensas ser possível controlar o que
os outros sentem a teu respeito;
se pensas ser possível controlar o que os outros fazem;
se queres acreditar que gera segurança fora de ti,
que podes seguir o caminho sozinho...

Eu te Compreendo mas,
em nome do verdadeiro Amor,
jamais poderia apoiar-te!

Se recusas buscar no âmago do teu ser
respostas para os teus descaminhos,

se dás pouca importância a teus sussurros interiores
e dos que estão intimamente ligados;
se esqueceste a unidade intrínseca dos opostos em nossa vida terrena;

se preferes o que parece mais fácil e abandonaste a paciência para o caminho;
se fechaste teus ouvidos ao chamado de retorno ou ao clamor de um querido;
se perdeste a confiança a ponto de não poderes entregar tua vida
à vontade onipotente de Deus;

se não quiseste ver a Luz que vem do Leste;
se não consegues encontrar no íntimo das coisas
aquele ponto seguro de equilíbrio
no meio de todas as tormentas e vicissitudes;

se não aceitas a tua vocação de viajante
com todos os imprevistos e acidentes da jornada;

se não queres usar o tempo, o erro, a queda, os obstáculos
como teus aliados de crescimento,
realmente nada posso fazer por ti.

Se aspiras obter proteção quando o que precisas é Liberdade;
se não descobriste que a verdadeira Liberdade
e a autêntica segurança são interiores,
interiores seus e dos que te querem bem;

se não sabes transformar a frase
"Eu tenho que..."
na frase
"Eu quero!" ou ?Permito!?;
se queres que o fantasma do passado
continue a fechar teus olhos para a infinidade do teu aqui e agora;

se queres deixar que o fantasma do futuro
te coloque em posição de luta com o que ainda não aconteceu
e, provavelmente, não chegará a acontecer;

se optaste por tratar o âmago e a ti mesmo como a um inimigo;
se te falta capacidade para ver a ti mesmo
como alguém que merece da tua própria parte e dos que te querem bem

os maiores cuidados e a maior ternura;
se não te tratas como sendo a
semente germinada por Deus;
se desejas usar teus belos planos de mudar,
de crescer, de realizar,
como instrumentos de auto-tortura;
se achas que é amor o apego que
cultivas pelos teus parentes e amigos;
se queres ignorar, em nome da seriedade e da responsabilidade,
a criança brincalhona que
habita em ti;
se alimentas a vergonha de te enternecer diante de uma flor
ou de um por de sol,
ou aceitar auxílio de um ser mais jovem;

se através da lamentação recusas a vida como dádiva e como graça divina,
nada posso fazer.

Mas, se apesar de todo o sono, queres despertar;
se apesar de todo o cansaço, queres caminhar;
se apesar de todo o medo, queres tentar;
se apesar de toda angústia, queres ter paz;
se apesar de toda acomodação e descrença,
queres mudar,
reflita e deleite no analisar.

Aparta do caminho das tuas dificuldades a negatividade
e óptica pessimista dos pensamentos.

São eles que te levam para as dores das lembranças do passado
e para a inquietação do futuro.

São esses pensamentos que te afastam da experiência de contato com teu próprio corpo,
com o do próximo,
com o teu presente, com o teu aqui e agora
e, portanto, distanciando-te de teu próprio coração.

Tens presentes agora as tuas emoções?
Tens presente agora o fluxo da tua respiração?
Tens presente agora o pulso e a batida de um bom entendedor do coração?
Tens agora a consciência do teu próprio corpo?
Este é o passo primordial.
Teu corpo é concreto, real, presente,
e é nele que o sofrimento deságua,
é nele que cada célula, racionalmente, faz sofrer a emoção
e é
a partir dele que se inicia a caminhada para a alegria,
é partir dele que se extingue o tormento, acaba o desalento, cura-se a dor.

Somente através dele desfaz-se a angústia e caminha-se ao retorno da paz.
Jamais resolverás os teus problemas
somente pensando neles.

Começa do mais próximo! Começa pelo corpo!
Através dele chegarás ao teu centro, ao teu vazio,
àquele lugar onde a semente germina.

Através da sua consciência
galgarás caminhos jamais vistos,
entrarás em contato com os teus sentimentos e o de outrem,
perceberás o mundo tal como é e agirás de acordo com a naturalidade da vida.

Assume o teu corpo e os teus sentimentos!
-- por mais dolorosos que sejam -- ;
assume e observa-os...observa-os e deixe-se ajudar.
Não tentes mudar nada, sê apenas a tua dor.
Presta atenção, não negues a tua dor.
Não precisa fingir estar alegre se estás triste,
Não precisa fingir coragem se estás com medo,
Não precisa fingir amor se estás com ódio,
Não precisa fingir paz se estás angustiado,
Nada disso não.
Permita-me, pegue na minha mão.

Não lutes contra teus sentimentos,
fica do teu próprio lado, deixa a dor acontecer,
como deixas acontecer os bons momentos.

Pára, para que as coisas sejam como são.
Entra nos teus sentimentos sem os julgar,
não fujas deles, não os evites,
não queira resolvê-los escapando deles - depois terás de te encontrar com eles novamente,

é apenas um adiamento, uma postergação sem fundamento, uma prorrogação.

Torna-te presente, por mais que te doa.
Tenhas certeza que algo de mui belo acontecerá.
Assim como a noite veio, ela também se irá
e então testemunharás o nascer do dia,
pois à noite o sol escurece até a meia-noite e,
a partir daí, começa um novo dia.
Sentirás brotar, de dentro de ti,
uma força que desconhecias e
te sentirás renovado na esperança e
a vida entrando em ti.
Entenderás, como perito do coração,
que a célula -- a semente -- morre mesmo, totalmente,

antes de novamente germinar e que aí floresce a vida.
Então, poderei dizer-te que
Eu te Compreendo e que, assim,
Poderei te ajudar.

E verás com muita alegria que, justamente agora,
já não precisas tanto do meu apoio, ou de separar o trigo do joio,
pois o foste buscar dentro de ti e o
encontraste dentro da tua própria dor!
Agora percebes a causa interior...
Trazes a semente da vida dentro de si.

Causas internas são primárias,
As externas reflexos de um conjunto secundário.
Bem percebes que existe a possibilidade de uma transformação...
Você consegue!
Basta querer, deixar o amor contagiar

e abrir seu coração.


Ismael Alexandrino. Petrópolis, julho de 2004.


Ao som do Silêncio
Degustando Ar
Imagem: Construídas no meu pensamento

10 comentários:

Jéferson Güntzel disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Jéferson Güntzel disse...

Confesso que não li tudo, mas estou passando pra agradecer pela avaliação do meu blog!

Abraços!
Parabéns pelo Blog
http://marisa-monte.blogspot.com

Anônimo disse...

Querido amigo,
não lembrava mais como era saborear um bom café. :)
Um abraço!

Pollyana disse...

Indiquei seu café para um amigo. Essa semana ele estava me falando exatamente sobre tudo o que vc escreveu, e eu lhe disse que seu texto dessa semana parece comigo, com ele e com todos que buscam...
As garotas do brincos ficaram felizes com sua visita, esperamos que volte sempre.

hjahag disse...

O seu "café" é maravilhoso. Fez meu dia ficar melhor. Um abraço.

Anônimo disse...

Santo, vc foi profundésimo em tantas emoções e sentimentos ancorados neste único post! Lindo texto, parabéns! Fico aqui imaginando quantas horas tu demorou para pensar em tanta coisa e conseguir botar no "papel". Vixi Maria.
Eu não sumi não, só ando meio atrapalhada com o bendito tempo. Ainda não descobri se não ter tempo é bom ou é ruim...
Mil beijos

Anônimo disse...

vaaleu a pena ler... que delicia de texto... profundo, inspirador.....
Bom feriado! Um beijo grande

Anônimo disse...

É se a gente nào quiser se ajudar...
Se quisermos um café, temos de pedir, não é mesmo?
Beijão e seu texto está ótimo.

Anônimo disse...

Denso, profundo e reflexivo.

Já estava esquecida de quão maravilhoso é vir tomar um café aqui...
Excelente trabalho querido irmão.
Beijo.

Anônimo disse...

Muito bonito o texto.
Vc consegui expressar tudo que tenho vivenciado ultimamente. E estes momentos é que tenho me permitido alguns mergulhos da alma.
E que bom que estes momentos de dor também fazem parte da nossa vida, só eles, é que nos dão a sensação que estamos vivos, e bem vivos.

Antes morrer que viver como morto.