Café Alexandrino - O lado aromático da vida

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O que escrevo quando não tenho inspiração para escrever

Crônica


Estou sem inspiração. Isso não é raro. E sempre sofro. Mas por que sofrer se não tenho a obrigatoriedade das letras? Por que me angustiar pelo texto que não quer ser escrito? Tais perguntas sempre me questionam. Incomodam-me. Calo-me tentando elaborar algo mais apreciável para respondê-las, tentando encontrar alguma sabedoria escondida bem na curva do ponto de interrogação.

Inútil. As respostas não vêm; as perguntas aumentam. E minha angústia cresce exponencialmente. Sei que não devo ser único. Aliás, já ouvi escritor de cátedra dizendo como lhe é sofrido o processo de escrever. O pior: ele depende da escrita para sobreviver, ele tem de produzir textos o tempo todo, textos que encantem, textos ricos, textos comercializáveis – que lhes dêem um bom dinheiro –, textos imortais. Eu não. Não sobrevivo da escrita, não ganho dinheiro com isso, nem tenho compromisso algum de escrever algum texto que seja imortal.

Mas aí que mais sofro. Justamente por não ter a obrigatoriedade do ato, ele deveria fluir naturalmente. Assim como transpiro gotículas de suor quando caminho na praia sem, necessariamente, pensar em cada gota transpirada, eu deveria transpirar, naturalmente, palavras no papel. Tudo bem, não precisaria somente transpirar. Quem sabe lacrimejar algumas palavras, talvez espirrá-las, tossi-las, expirar frases inteiras. Alguma coisa que me agrade e que construa no meu próximo algo de bom, proveitoso, algo que o encante. Mas não encanto sempre que desejo. Eu não sou encantador. Não com palavras, não com poemas, não com contos, crônicas ou qualquer coisa escrita. Na verdade, nem sei se de alguma forma eu encanto. Em canto, também não me dou bem; já me esforcei, mas desafino fácil. Tocar, também nunca obtive êxito; se retirar a partitura da minha frente, é como se retirasse o piano. Isso não é tocar; isso é insistir naquilo para o qual não nasceu.

Acho que meus dons não são para fora. Não nasci para encantar ninguém. Nasci para me encantar, somente. Sim, sou encantado com quase tudo que me cerca, com as coisas criadas por Deus, pelas manufaturadas pelo homem. Tenho extrema facilidade em apreciar a natureza, e me inebriar diante de uma planta, uma flor, um tronco de árvore parecido com um cavalo marinho. Encanto-me facilmente com o sorriso singelo de uma criança que balança a mãozinha para mim. Encanto-me profundamente com notas afinadas de um violino, de um piano, de um saxofone, ou de um dueto, trio, quarteto, coral. Tenho profunda sensibilidade para perceber as coisas exteriores e me encantar com elas. Mas não encanto ninguém com textos, palavras, conselhos, talvez por ser um egoísta que só quer ser encantado. Acho que, egoísta, todos os meus dons são para dentro.

Falta-me a inspiração dos escritores que comovem, que movem multidões, que se tornam imortais. Lembro de Clarice Lispector dizendo que cada frase é um clímax. Isso sim é inspiração! Mas não a tenho, e não desejava muita a ponto de escrever aforismos em cada frase, tal qual Clarice. Eu não tenho tamanha ambição. Eu só queria um pouquinho de inspiração para escrever uma crônica. Só uma. Uma crônica.

Ismael Alexandrino


Ao som de 'Flake' - Jack Johnson
Degustando Coquetel de Frutas
Imagem: 'Cavalo Marinho no Tronco da Árvore' - Ismael Alexandrino

3 comentários:

Kari disse...

Muito bom! Como sempre, né?

Se quando não tens inspiração, escreves dessa forma, imagina quando a inspiração vier...

Um beijão
Kari

Unknown disse...

taoooooooo clariceano esse texto=)
saudade de ler Clarice.... e saudade de te ler tb!
abraçao!
=)

Andréia Fernanda disse...

Olá Ismael!!!
Sou amiga do seu irmão,e ele me passou o endereço do seu site,dizendo que era muito enteressante,e é mesmo.
Parabéns pelo site e achei lindo o que você escreveu.
Beijão.
Andréia Fernanda