Café Alexandrino - O lado aromático da vida

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Peixe Grande – o fantástico na vida

Resenha

É sabido que a mente humana é um grande mistério. Muitos tentam ininterruptamente decifrá-la. Dedicam o curso das suas vidas a tentar entender o intangível, complexo, contagiante, e quase ilimitado mundo da psiquê. Outros, nem se atentam, e vivem totalmente à mercê de suas próprias histórias, sem a consciência exata da influência delas no contexto em que vivem. Ainda há aqueles que, mesmo sem grandes aspirações em teorizar a respeito, percebem que a vida é como um grande espetáculo, e, então, sobem no palco com uma motivação muitas vezes incompreendida pela maioria.

No filme ‘Peixe Grande’, podemos perceber toda essa diversidade comportamental. Seria pretensão desmedida querer esgotar nestas poucas linhas os diversos aspectos e as muitas abordagens que o filme traz à tona. Contudo, algumas reflexões filosóficas e psicológicas são válidas e pode-se expendê-las.

Edward Bloom é um homem de grandes sonhos, paixões e histórias inesquecíveis. Viveu intensamente, isto é fato. Mas o que chama atenção é a forma fantástica que ele contava todas às suas histórias, principalmente ao seu filho William. Não se pode dizer enfaticamente que ele mentia para seu filho. Não se questiona, no entanto, que se atentarmos para a realidade, ele extrapolava em sua imaginação. Isso pode ser visto claramente logo no início do filme quando Edward Bloom começa narrando a história de um peixe grande que parecia escabrosa, mas que explicava alguns fatos de sua vida. No final do filme, percebe-se claramente que, na verdade, o Peixe Grande do rio é o próprio Edward Bloom. A história fantástica que ele contou do Peixe Grande foi a forma que Edward encontrou de relatar a própria vida, a grandeza e a singularidade dela. Ele personificou um peixe imaginário, atribuindo a ele fragmentos importantes, ritos de passagem da sua vida.

William via seu pai como um grande mistério e nos últimos anos de vida do velho, começou a juntar peças para tentar montar uma idéia real de seu pai. Percebeu que o pai vivia a maioria das histórias, mas que, ao contá-las , dava um toque de fantástico, de grandioso, de espetacular a elas, assim como as crianças, ao contar suas histórias o fazem. Isto, chocava William – que encarava a vida de forma bastante pragmática e cartesiana. Sentia-se incomodado também o fato de o pai sempre atrair atenção, mesmo quando as atenções deviam estar voltadas a outros, ou ao próprio William. Psicanaliticamente, percebe-se que Willian, na verdade, tinha muito do seu pai, mas não conseguia exteriorizar, sentindo-se incomodado muitas vezes. Quando ele tirou as amarras do ceticismo com que encarava a vida, e entrou no mundo de seu pai Edward Bloom, já no leito de morte, William entra no mundo maravilhoso do seu pai e consegue elaborar uma história tão fantástica quanto as que sempre ouvia do velho. E, assim, auxilia seu pai a encarar a morte de forma natural e tão encantada quanto a vida.

O filme mostra William com a devida compreensão do mistério que era seu pai, pois entrou no mundo dele. Pode perceber que um “homem conta suas histórias tantas vezes que se mistura a elas. E elas, sobrevivem a ele. E é desse jeito que ele se torna imortal.” Ao contrário do que René Descartes dizia – que, para existir, bastava pensar –, William saiu de sua existência que até então era latente e não só pensou, mas agiu, criou, contou histórias ao seu filho. E, com certeza, foi não só um ser humano único e singular, mas também imortal.

Ismael Alexandrino


Ao som de 'Angel' - Dave Matheus Band
Degustando Crepe de Banana com Chocolate e Queijo
Imagem:'Tubarão em Fernando de Noronha' - Ciliares Mergulho

2 comentários:

Luiz Lailo disse...

Eu sou de um tempo em que se escrevia de outro modo. Agora os acentos diferenciais caíram mas eu ainda me enrolo. E dizem que vem mais mudanças por aí: a unificação da escrita em todos os países de língua portuguesa. Em Portugal ainda se usam consoantes mudas.
Eu vi um título seu, Café Apimentado com Descência, e achei estranha essa última palavra. Às vezes a gente escreve na pressa e passa por cima.

Kari disse...

Gostei muito desse filme, mas confesso que já o assiti a algum tempo.
Mas lendo assim, tão detalhadamente, deu uma vontade enorme de correr pra locadora e assitir mais uma vez...

Um beijo
Kari