Crônica
Esforço-me para encontrá-la. Há anos que... Sei que está sob pilhas de minha infância. Mas, neste momento, aproveito o feriado e o dia prensado para removê-la de escombros.
Lembro-me que foi a única que tive. Talvez esteja desbotada. Ferrugem, com certeza. Àquela época, década de 70, era a bicicleta de vitrine: a Calói. Ganhei aos 11 anos. Presente de aniversário. 19 de janeiro de 1975.
Embora limitado à rua de casa, pois os olhos de minha mãe impediam que eu virasse a esquina, fui feliz sobre os pedais de minha Calói. Apesar de quedas, joelhos ralados e cotovelos crecados, aquela cor (vermelha) me ocupava de felicidade; o aro niquelado fazia-me vencedor de limites. A fragilidade já havia ido. Perdi-a ao receber minha bicicleta. Era a minha "Bibi".
Enquanto removo pilhas e pilhas de minha infância, a curiosidade em tê-la novamente vai me metamorfoseando. Vejo-me mais ágil, a visão –- mesmo com a escuridão deste porão –- está jovem definitivamente. Vou fugindo do agora e talvez nem queira voltar, caso suba e dê algumas pedaladas.
Enfim, tirei uma bola amarela. Afastei um dominó. Com cuidado, pus o gamão num cantinho próximo do xadrez. Achei meus dois dadinhos (já não muito branquinhos, mas com os números ainda bem acesos). Com riso largo, joguei os dois à minha frente. Quatro e cinco. Nove pontos. Nada mal. Quando fui colocá-los dentro de uma caixinha cinza, quanta felicidade! Meu Deus! Caro leitor, achei minha "Bibi".
-- Você se lembra de mim? Sou eu, aquele menino que ...
E voltei-me a lembranças tão próximas. Parece que a roupa sobre o corpo estava enorme em mim, levando-me ao cuidado de não tropeçar nos pés da calça. Ela, enfim, me reconheceu. Abruptamente, subi e comecei a pedalar. A rua estava nítida aos meus olhos.
-- Vamos virar a esquina?
-- Você é louca? Não está vendo minha mãe em vigília. Ela não tira os olhos de nós.
-- Vamos! Nunca fizemos isso!
-- Está bem! Só uma vez.
E a volta do porão de minha infância, de minha felicidade durou o restinho do dia prensado. Não! Não mesmo! Jamais esqueci a minha Calói. Nunca esqueci que fui feliz. E nem ferrugem havia. Estava realmente como antes. Nas recordações... nas boas recordações, temos sempre o cuidado de conservar com aquela solução de aldeído fórmico em água, ou seja, formol.
Edvaldo Ferreira
Ao som de 'Aquarela' - Toquinho
Lembro-me que foi a única que tive. Talvez esteja desbotada. Ferrugem, com certeza. Àquela época, década de 70, era a bicicleta de vitrine: a Calói. Ganhei aos 11 anos. Presente de aniversário. 19 de janeiro de 1975.
Embora limitado à rua de casa, pois os olhos de minha mãe impediam que eu virasse a esquina, fui feliz sobre os pedais de minha Calói. Apesar de quedas, joelhos ralados e cotovelos crecados, aquela cor (vermelha) me ocupava de felicidade; o aro niquelado fazia-me vencedor de limites. A fragilidade já havia ido. Perdi-a ao receber minha bicicleta. Era a minha "Bibi".
Enquanto removo pilhas e pilhas de minha infância, a curiosidade em tê-la novamente vai me metamorfoseando. Vejo-me mais ágil, a visão –- mesmo com a escuridão deste porão –- está jovem definitivamente. Vou fugindo do agora e talvez nem queira voltar, caso suba e dê algumas pedaladas.
Enfim, tirei uma bola amarela. Afastei um dominó. Com cuidado, pus o gamão num cantinho próximo do xadrez. Achei meus dois dadinhos (já não muito branquinhos, mas com os números ainda bem acesos). Com riso largo, joguei os dois à minha frente. Quatro e cinco. Nove pontos. Nada mal. Quando fui colocá-los dentro de uma caixinha cinza, quanta felicidade! Meu Deus! Caro leitor, achei minha "Bibi".
-- Você se lembra de mim? Sou eu, aquele menino que ...
E voltei-me a lembranças tão próximas. Parece que a roupa sobre o corpo estava enorme em mim, levando-me ao cuidado de não tropeçar nos pés da calça. Ela, enfim, me reconheceu. Abruptamente, subi e comecei a pedalar. A rua estava nítida aos meus olhos.
-- Vamos virar a esquina?
-- Você é louca? Não está vendo minha mãe em vigília. Ela não tira os olhos de nós.
-- Vamos! Nunca fizemos isso!
-- Está bem! Só uma vez.
E a volta do porão de minha infância, de minha felicidade durou o restinho do dia prensado. Não! Não mesmo! Jamais esqueci a minha Calói. Nunca esqueci que fui feliz. E nem ferrugem havia. Estava realmente como antes. Nas recordações... nas boas recordações, temos sempre o cuidado de conservar com aquela solução de aldeído fórmico em água, ou seja, formol.
Edvaldo Ferreira
Ao som de 'Aquarela' - Toquinho
Degustando Algodão Doce
Imagem:'Cristian e a Bike' - Felipe Conquista
2 comentários:
Ismael, meu amigo... ando comentando pouco, mas lendo sempre, viu? Nunca mais nos encontramos no Msn... Abração...
Eu nao tive uma Caloi, snif :=)
Mas aprendi a andar de bicicleta em uma, emprestada, mas me ralei tanto quanto hehe. Ô lembrancas boas!
Hoje, tenho uma mas nao é Caloi, e adoro sair pelas ruas sem ter hora pra voltar, a sensacao de liberdade que ela me dá é indecifrável.
Que bom vc gostou daquele texto da homenagem póstuma meu amigo, aquele foi de minha autoria, e a imagem, provavelmente foi do Getty Images, onde sempre cisco, pq sao lindas.
Tenha uma boa semana!
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