Café Alexandrino - O lado aromático da vida

sexta-feira, 4 de maio de 2007

(In)fidelidade a dois

Poesia

No primeiro instante de desassossego, um dos “eus” rouba-me a vez na relação.
Saio do ar. Ele me encobre por inteiro. Ignoram-me por completo no outro.
(Sobretudo quem me tem em maior intimidade )
Quão tola ela é em pensar que lhe sou íntimo!
E o meu “eu” ortônimo não lhe diz nada.

Numa segunda abordagem, já se sente íntimo a tudo que o circunda naquela casa.
Ignora todos e, sobretudo, minha companheira que me prende e me assusta.
E calo-me, assistindo a esse “eu” catártico ( libertador ).

Em sua terceira vinda, já o convido para me substituir.
Sou seu telespectador. Aceito-o com simpatia.
Estendo-lhe tapete vermelho. Ele entra em meu quarto.
Ele deita com ela. Ele a possui.
E não lhe reclamo minha ausência.

Ao retomá-la na noite posterior, ela me desdenha.
Já não mais me quer. Prefere-o a mim.
E não lhe digo nada.

Embora emudecido, meu silêncio está em conforto.
Dei-lhe o prazer de um outro, sem que lhe tirasse a fidelidade a mim.
E quantos erram em fazê-la – sua própria esposa - trair seu próprio companheiro
Por não saber ser múltiplo na pluralidade que nos torna um
aos olhos dos míopes – sobretudo de quem deita conosco.

Edvaldo Ferreira1


Ao som de 'A hora íntima' - Vinícius de Moraes
Degustando Café com Tabaco
Imagem:'Décalcoanie' - René Magritte


1Edvaldo Ferreira, meu mestre e confrade, é professor universitário catedrático em Língua Portuguesa, poeta e escritor.

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