Café Alexandrino - O lado aromático da vida

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Dar o peixe também é preciso

Crônica

Quando me mudei para Recife, uma das coisas que mais me impressionou foi a quantidade de pedintes nos semáforos. Adolescentes, jovens, senhores, deficientes físicos, velhinhos, crianças – algumas tão miúdas que mal alcançavam na janela dos carros. Pessoas diversas pedindo vinte centavos, dez centavos, cinco centavos. Pessoas vivendo em condições marginais, na miséria. Pessoas, no entanto. Humanos. Subumanos.

E eu, na minha pretensa posse de conhecimento sociológico e antropológico, sempre com um pensamento fixo: “não se deve dar moedas, é preciso dar trabalho; não se deve dar o peixe, é preciso ensinar a pescar.” Quem nunca ouviu esta frase, esse pensamento verbalizado? Cansei de ouvi-lo, e várias vezes praticá-lo. Mas aquilo me incomodava.

Certa feita, papai estava no banco do passageiro e eu dirigindo o carro. Ele estava me visitando em Recife. Por três semáforos seguidos que parei o carro ele abaixou o vidro e deu um trocado para quem pedia.

— Pai, se o senhor for dar um trocado para todo mundo que pede no semáforo aqui, o senhor não terá dinheiro para o próprio sustento. Se o senhor sempre der, eles sempre vão pedir.

— Mas eles estão com fome, meu filho. – respondeu-me calmamente.

— Mas se o senhor agir assim dando o peixe, pai, eles nunca vão aprender a pescar. – eu insisti.

— Se você pensar na lógica, filho, você tem razão. Mas esses meninos, esses pedintes, estão com fome. E essa lógica é cheia de razão, mas não enche a barriga deles.

Aquele fala do meu pai foi como uma flecha no meu coração. Na verdade, eu concordava com o que ele dizia, e me sentia incomodado até, mas teimava em não dar o peixe.

Papai mansamente continuou:

— O Maior Homem que pisou na Terra, se estivesse no meu lugar, daria. Jesus muitas vezes, não só deu pão e peixe a quem tinha fome, mas os multiplicou milagrosamente e alimentou multidões.

Outra flechada. Papai tinha toda razão, mesmo sem entender de sociologia, antropologia, ou alguma ciência dita humana.

Lembrei-me de Madre Tereza que sabiamente disse: “Às vezes não adianta ensinar a pescar, pois a pessoa pode estar com tanta fome e tão fraca que não conseguirá segurar a vara de pescar.”

Depois disso, tapei os ouvidos para os magistrados que dizem que é errado dar comida ou dinheiro para quem pede na rua.

Sinceramente, não quero mais saber se é errado ou se é certo. A minha lógica se rebelou, não quer mais ter lógica. E eu não quero mais ver um ser humano igual a mim morrendo de fome aos meus pés. Desisti de ser maior pecador.

Ismael Alexandrino

Ao som de 'Pra cima Brasil' - João Alexandre
Degustando Pão

2 comentários:

Anônimo disse...

Quem já não ficou se remoendo sobre as dúvidas em ajudar ou não esses pedintes, não é mesmo?

Acho que temos que olhar no fundo dos olhos da pessoa e usar o nosso 6o sentido.

Umas das cenas mais inesquecíveis que nunca mais deixei de lembrar, foi quando dei 2 tickets restaurante para 2 crianças-pedintes. Quando elas viram o valor dos tickets, deram um pulo enorme de felicidade e um sorriso que nunca mais saiu da minha cabeça. Lembrar disso, esquenta a minha alma até hoje, mesmo depois de tanto tempo que se passou.

Beijo enorme

Anônimo disse...

Graande Ismael...
Vi seu texto sobre esmola e poxa, também fico totalmente de saias justas quando recebo essas "flechadas" de quem me vê, ou via ignorando pedintes...

...sei la, eu fiquei revoltadíssimo depois que li aquela matéria de capa da Veja a um tempo - "Profissão: Mendigo" - aquilo me deixou num estado quase que de ódio aos pedintes...kkkkkkkkkkkk

mais ai penso: "Em Seus passos, o que faria Jesus?"...nisso vêm as fechadas...hehe

vi um artigosinho abordando o assunto: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/10/292337.shtml

de uma olhadinha ai e me fala que que tu pensa...

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