Café Alexandrino - O lado aromático da vida

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O orgulho nosso de cada dia

Crônica


Dia desses, conversando com uma amiga muito querida, comentávamos sobre algumas atitudes de casais de namorados. Camila é uma pessoa fantástica! Educada, gentil, sonhadora, amorosa e, sobretudo, humana. Mas não se animem os possíveis leitores interessados na bela. Cacá está noiva, prestes a casar com um rapaz pelo qual é apaixonada. E admito: formam um belo casal.

É interessante como são alguns relacionamentos afetivos. Sentindo-se sozinhas, as pessoas buscam seus pares. Quando os encontram, querem agir como se continuassem sós. Esbarram no egoísmo; repousam no orgulho. Fazem das suas relações legítimos jogos de tênis. É, jogos de tênis.

Lembro-me do sábio Rubem Alves fazendo analogia dos tipos de casamento. Segundo ele, há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os do tipo frescobol têm grande chance de ter vida longa. Os outros, não. Mas o engraçado é que em ambos os jogos há dois participantes, duas raquetes e uma bolinha. Só que os participantes têm intenções e comportamentos diferentes.
No frescobol, ninguém quer que a bola caia; se ela vem meio torta, sabe-se que foi sem intenção, e apressa-se em ajeitá-la na medida certa para o parceiro. Pois se um errar, os dois perdem. Se um ganhar, os dois são derrotados. Então é melhor ajudar o outro.

Já no jogo de tênis, a intenção é fazer com que o outro erre; o outro vira um adversário a ser batido, vencido. Um sempre sai do jogo perdendo. A alegria do vencedor é a desgraça do derrotado. Está em jogo a capacidade de que se tem de humilhar, de vencer. É um jogo de vaidades no qual se disputa um troféu de orgulho.

Percebo muita semelhança de tais jogos com a forma com que os casais se relacionam. Alguns procuram sempre dar suporte ao seu companheiro, arredondar a bola para que tudo corra bem. Bola para lá, bola para cá...conversa pra lá, conversa para cá. E se às vezes a conversa sai um pouco torta, atravessada, sabe-se que esta não foi a intenção primária, e então se procura logo consertá-la, busca-se a reconciliação. Outros, no entanto, carregam no currículo muita vaidade, e esta o motiva a sempre vencer. Busca-se sempre ter razão, arrasar o adversário. As conversas são atravessadas de propósito, dissimuladas, ensaiadas de forma maquiavélica. Tem-se o gozo de ver o outro em maus lençóis; anseia-se vencer o jogo, colocar a mão na taça, bater no peito e gritar: “Eu venci!”. E aí a coleção de troféus e medalhas folheadas a “ourogulho” cresce cada vez mais.

Penso que se as pessoas refletissem mais nas verdadeiras intenções que as levam a se relacionarem com alguém, inúmeros conflitos poderiam ser evitados. Chateações, mágoas, rancores, toda sorte de sentimentos que desconstroem uma relação poderiam ser amenizados. Mas isso é querer demais num mundo tão disputado e competitivo, em que cada um busca o seu espaço, diriam alguns. Se tiver uma boa química, se o sexo for gostoso, já está bom demais.

Discordo. É fato que a cotidianidade impulsiona a ser competitivo no mercado, a sair de casa cedo, batalhar, trabalhar o dia todo, a se dar bem, promover-se. Mas, sinceramente, relações afetivas não obedecem às regras vorazes do mercado. Ou, pelo menos, não deveriam obedecer. É inegável que os prazeres da carne aceleram os corações apaixonados. Mas relacionar-se com alguém implica em algumas renúncias, em doação de tempo, atenção, companheirismo. Implica até mesmo em ouvir conversas banais no final do dia. Paquera, namoro, casamento, nada disso deve ser baseado somente nos prazeres da cama. Pois estes acabam pela manhã, muito cedo, assim que o sol nasce.

Camila está ansiosa com o seu casamento que está prestes a acontecer. Até já fui convidado. Não tenho bola de cristal – nem pretendo! –, mas imagino que o casamento dela tem tudo para ser agradável e duradouro. Eles já estão há algum tempo jogando frescobol, sonhando juntos, se ajudando. Ah!, e Camila, se reconhecendo orgulhosa, tem se exercitado em controlar o seu inconveniente orgulho.

E você, caro leitor, como anda seu estoque de orgulho?

Ismael Alexandrino


Ao som de 'Humble Me' - Norah Jones
Degustando Café Preto
Imagem: 'Arara' - Paulo Sousa


5 comentários:

Kari disse...

Fazia tempo que eu não vinha por aqui, mas é por crônicas como essas que eu sempre volto!
Ah! O orgulho é uma droga mesmo. Ás vezes eu reparo em alguns relacionamentos, e não consigo entender como eles se desgastam por tão pouco.
Adorei a crônica e concordo que um relacionamento tem que ser como um jogo de frescobol. Um dia desses escrevi que os relacionamentos deveriam ser cuidados como uma rosa, com cuidado e carinho.

Beijão pra tu

K disse...

meu Deus..... estou copiando descaradamente.

K disse...

ah depois quero ver a Crônica do Natal! ainda não mudei não, iremos só em Janeiro, ainda estamos construindo... final de Janeiro ou começinho de fevereiro deveremos ir pra lá! Não vejo a hora!
um beijo, meu amigo, se cuide

Athena disse...

Gostei da analogia, muito bom.
É um pena que ando vendo mais relacionamentos do tipo jogo de tênis com dois perdedores do que do tipo jogo de frescobol.
Orgulho, insegurança, medo e omissão. Perebo tudo num mesmo "pacote" causa comum de relacionamentos doentes.
O bom é que sempre aparecem casos bem-sucedidos que beiram a exceção, mas que renovam a esperança no amor saudável, como o caso da sua amiga. Sorte para o casal!
Bjos,
Nina

Anônimo disse...

Caro,Ismael! Como é gratificante sair um pouco dos meus afazeres e vir deliciar-me aqui no seu café.
Realmente, vc tocou numa ferida. O orgulho têm me atrapalhado deveras...Em todos os meus relacionamentos,inclusive meus amigos cobram muito isso de mim. Acredito ser esse o meu maior mal. A dificuldade em ceder,a incapacidade, muitas vezes,de assumir um erro...Um misto de orgulho com infantilidade.
Mas é isso, o grande passo é reconhecer não é? Creio que já estou em processo de mudança. Sou amiga de Yuri Brandão, se já tinha carinho por vc através do seu blog, as palavras de Yuri só enalteceram ainda mais a sua pessoa.
Sou uma grande admiradora de tudo que vc escreve. Vc é bom e talentoso.
Deus te ilumine ainda mais.
E obrigada.

Beijo grande!