Café Alexandrino - O lado aromático da vida

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Pare de administrar pobreza

Artigo


No final do ano passado, fui contatado por um leitor que procurava ansiosamente a ajuda de um especialista para tirá-lo do que ele chamava de uma “sinuca” financeira. Segundo ele, a esposa havia perdido há alguns meses um emprego de secretária que garantia uma renda de R$ 800 mensais, um bom reforço ao salário de R$ 1.200 que ele ganhava mensalmente. Mas, às vésperas do Natal, as chances de recolocação em cargos administrativos eram reduzidíssimas, os gastos típicos de final de ano eram inevitáveis e, para piorar, meu leitor não contava com um décimo-terceiro salário, pelo fato de ser autônomo.

Esta família, que há alguns meses estava acostumada a viver com R$ 2.000 de renda total, se via então à beira de um abismo: parecia inevitável ter que recorrer a empréstimos volumosos! Suas dúvidas eram: como proceder para cortar gastos que pareciam inevitáveis – como condomínio, escola, supermercado – e qual seria minha sugestão quanto às alternativas disponíveis de empréstimos? Na prática, a dúvida não era sobre como evitar ou eliminar o problema, mas sim sobre como conviver com ele da melhor forma.

Obviamente, eu poderia alertá-lo sobre o grande erro que seria recorrer às financeiras, ao pagamento parcial do cartão de crédito ou ao cheque especial. Poderia orientá-lo sobre as alternativas mais baratas de empréstimo pessoal, fornecer dicas de economia doméstica, de corte de custos do lar, de compras mais inteligentes e outras estratégias bastante úteis àqueles que querem sair do vermelho.

Mas, se seguissem as orientações, a vida do casal não mudaria para melhor. Na melhor das hipóteses, dividiriam o problema deste Natal ao longo de vários meses, aumentando os gastos mensais da família com um parcelamento de dívidas antes inexistente. Quando a situação da família melhorasse (com um novo emprego, talvez), boa parte da nova renda seria consumida em contas não pagas ou juros acumulados nos meses anteriores. Mas haveria um caminho melhor? Seria possível melhorar a situação ao invés de torná-la “menos pior”?

A resposta a estas perguntas é positiva! Este caso tinha uma particularidade interessante que mudava toda a história. Uma simples pergunta minha a respeito dos objetivos de sua esposa mudou o caminho da orientação. Perguntei o que ela estava fazendo, e obtive como resposta: “Procurando emprego, mas está difícil nesta época”. Esta resposta surpreendeu-me bastante. Em épocas natalinas, quantas oportunidades de trabalho surgem? Não é esta a época em que os trabalhadores recebem seu décimo-terceiro e têm mais recursos para gastar? Não é esta a época em que as pessoas estão mais apressadas e com compromissos acumulados? Quantas oportunidades existirão?

Será que uma pessoa sem emprego não conseguiria reforçar sua renda, por exemplo, cozinhando para aqueles que não teriam tempo de preparar a ceia? Realizando compras para aqueles que teriam compromissos até a véspera do Natal? Embrulhando presentes, criando cestas de Natal diferenciadas, criando decorações de mesa, ajudando a organizar a vida de alguém? Comprando e revendendo produtos com grande demanda?

Qual será o medo que impede as pessoas de empreenderem? Se for algum tipo de medo de rebaixamento social ou desvalorização de sua experiência, temo reconhecer que aqueles que pensam desta forma estão voluntariamente fechando as portas para grandes oportunidades. De pequenos serviços de leva-e-traz surgem grandes empresas de logística! De modestas confeiteiras surgem concorridos restaurantes e lanchonetes! De humildes costureiras surgem cooperativas e oficinas de confecção que fornecem à grande indústria da moda!

Quando morei alguns meses no Exterior, surpreendi-me com um casal de vizinhos que aparentemente não trabalhavam, pois eu os encontrava a qualquer hora do dia em casa. Após tornar-me um pouco mais íntimo deles, fiquei sabendo que eles trabalhavam apenas quatro meses por ano, vendendo churros durante os meses quentes do verão. Trabalhavam tanto naqueles poucos meses que eram capazes de fazer uma poupança que, administrada com disciplina, os mantinha durante o ano. E, durante os demais meses, contribuíam voluntariamente com crônicas para o jornal do bairro. Ou seja, eram considerados intelectuais naquela comunidade, sem o menor preconceito quanto à qualificação (ou falta de) de seu trabalho de verão.

Muitas vezes, a preocupação e a perda de nosso tempo com a administração de pequenos gastos ou com a procura de soluções paliativas cegam nossos olhos e impedem que percebamos as oportunidades que passam por nossas vidas diariamente. Por que não pegar um empréstimo para pagar mercadorias que serão vendidas com lucro, ao invés de usá-lo simplesmente para cobrir a falta de caixa e presentear o sistema financeiro com lucros maiores ainda? Há muita energia humana sendo gasta para tapear os problemas, enquanto poderia estar sendo usada para criar soluções. A oportunidade de empreender, muitas vezes, está dentro de nós mesmos, basta agir.

Gustavo Cerbasi¹


Ao som de 'Paris, Texas' - Gotan Project
Degustando Café com Licor de Amarula
Imagem: 'Man opening wallet full of American currency' - Siri Berting



¹Gustavo Cerbasi é consultor financeiro, professor dos MBAs da Fundação Instituto de Administração e autor dos livros "Filhos inteligentes enriquecem sozinhos", "Casais inteligentes enriquecem juntos" e "Dinheiro – Os segredos de quem tem".

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