Café Alexandrino - O lado aromático da vida

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O encanto de Severina

Crônica

Ainda era cedo, e havia pouco tempo que eu estava na mesa de reuniões. Mais quatro pessoas a rodeavam esperando o início das atividades. Observava apenas, sem alimentar expectativas. Nem boas, nem más.

De súbito, entra aquele vestido vermelho-maçã. O cabelo oleoso, mas cuidadosamente prendido, e o batom de cor forte combinando com o vestido, revelavam alguma ocasião especial. As orelhas de abano não faziam idéia do que se sussurrava naquele ambiente; os olhos ressaltados não indicavam excesso de atenção. Mas os dois dentes esbanjavam contentamento, sorriam alegremente, um de cada lado da boca. Únicos.

“Me falaram que hoje é o meu aniversário, doutora! Tem como a senhora ver na minha ficha quantos anos estou fazendo?”. Olhei para a doutora também, e, sem hesitar, prontamente respondi, dirigindo-me a quem fizera a pergunta: “Acho que é 25, Severina! Você está muito elegante hoje, sabia?!”. Os dois dentes dela ficaram tão alegres que se distanciaram ainda mais um do outro.

Poucos minutos depois, após a doutora olhar num livro-arquivo, a revelação. “Sim, Severina, realmente hoje é o seu aniversário! Parabéns para você!”. O vestido vermelho-maçã ficara curto com o pulo que a aniversariante deu, ela estava a ponto de explodir de felicidade. Quantos anos, afinal, ela havia completado? O suspense pairava no ar, pude ouvir, num rápido silêncio, aquele coração gritar de alegria. Pulsava tão forte que se confundia com os pulos do vestido rubro.

“Acho que minha filha tem 18 anos! Será que ela tem quantos, doutora? Faz tanto tempo que não a vejo...” – percebi uma rápida nostalgia que logo se desfez. Era muita euforia para ser contida por um flash de lembrança. A doutora fechou o livro, estava pronta para fazer a grande revelação. Nós nos olhávamos – a doutora, Severina, as outras três pessoas e eu – como se esperássemos o resultado de um concurso da loteria, um grande prêmio. E era um grande prêmio realmente. Para Severina, era o maior prêmio que poderia existir naquele momento. Saber sua idade, situar-se no tempo, fazer parte da história cronológica do mundo.

Por um breve instante temi que os dois dentes de Severina pulassem da sua boca. Todo seu corpo tremia. Ela estava completamente extasiada. Teria um aniversário, saberia sua idade, e teria cinco pessoas para comemorar este momento com ela. Algo inimaginável, quase um sonho. E a euforia contagiou a todos os presentes naquela sala. Já estávamos todos de pé para cumprimentá-la, só esperávamos saber quantas velinhas deveriam ser sopradas, quantos pedidos a serem feitos.

Os olhos de nós todos brilhavam; os de Severina já escorriam algumas gotinhas de cristais que rolavam contentes pelo rosto. Ela parecia ter mais de trinta e quatro, mas mesmo assim se achou nova quando soube, e que teria muitos anos pela frente ainda. E a partir dali disse que contaria todos os seus anos, todos os seus aniversários.

Nunca vi tanta alegria num sorriso com tão poucos motivos. Nunca vi tanto encanto em uma vida tão severina.

Ismael Alexandrino


Ao som de 'TV, Rádio e Jornal' - Elisa Queiroga
Degustando Café com Suco de Laranja e Gelo

2 comentários:

Catarina Cunha disse...

Mas que café-da-manhã! Sutil energia! Ah...Quantas Severinas nessas entre-linhas...Eu volto, e trarei amigos. Prepare a mesa.

Coisas&Letras disse...

Muitas existem poucos assistem... Pelo menos os poucos que dão a mão são capazes de fazer as "Severinas" sorrir e mostrar os dois preciosos dentitos que ainda resistem...

Muito doce o texto... gostei de ler também os outros... alertam para questões humanas fundamentais.

beijo:
C&L