Café Alexandrino - O lado aromático da vida

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

OSTAUF

Conto


Estou cansado desse dom de agradar. Pensei, no começo, que o meu reconhecimento fosse devido ao grande esforço que despendi na juventude. Horas em conversas com livros para no final lápis e papel na mão. Cada novo personagem me tinha como aprendiz (hoje vejo que na maioria das vezes eles eram inúteis para meu propósito).O estudo me levará tão perto da perfeição que sentirei seu aroma doce, pensava ao deitar no retângulo chato. Esse era meu maior ouvinte, pois minha família sempre recebia minha obra silenciada e pronta. Está lindo! Tão bom quanto o outro! De onde vem tanta inspiração?! Eu teimava em dizer que era transpiração quando resolvi provar mostrando o meu primeiro poema datado de quando tinha dezoito anos e o meu último do auge de minha maturidade de três décadas. Foi nesse dia que desconfiei do óbvio (Os dois eram idênticos em qualidade como todos os outros). A genialidade me passou pela cabeça. Logo eu que tanto me esforço? Gênio! Decidi abandonar a poesia pela metade.

O conto sempre me cativou e foi sobre esse fascínio que escrevi meu primeiro conto intitulado "Canto Cativo". Por causa dele fui escolhido para a antologia regional depois de um mês de abandono da poesia. A minha nova paixão não agüentou os cinco prêmios do segundo filho, que se chamava "A fábrica de vidro".

Essas duas frustrações foram responsáveis por uma semana de confinamento num estúdio do outro lado da cidade onde resolvi pela primeira vez me aventurar nas melodias da gaita enferrujada de meu pai. De onde não se saía mais som, surgiu o CD instrumental do ano. Duzentas mil cópias vendidas e muita recusa de minha parte para turnês e aparições em público.
A música expulsei pela janela. (naquele momento vazio, não cheguei a cogitar a idéia de dançar. Sou tímido e quero continuar admirando Barishinikov.)


Com o dinheiro do CD comprei um apartamento num bairro afastado e depositei o resto na conta de minha mãe.

Hoje sou pintor. Não sinto mais necessidade de sair de casa (a comida me chega todo dia pela manhã junto com meus pincéis e tintas). As janelas vivem fechadas, mas aqui dentro meus quadros de paisagens e figuras humanas substituem o mundo lá fora. Vivo uma vida silenciosa e sem cheiro, embora meus olhos não reclamem das pessoas e flores antes nunca vistas e admiradas.

A minha mão e meu corpo estão exaustos (a minha mente exige muito). Já não quero mais compreender Fausto. Estou cansado de não decepcionar. Estou cansado de não viver.... Um único tiro na têmpora foi suficiente.

João Antonio Ribeiro

Ao som de 'Um homem chamado Alfredo' - Vinícius de Moraes
Degustando um Café Preto com poucos cristais de açúcar
Posted by PicasaImagem: 'Retrato de Homem' - Pablo Picasso

Um comentário:

Anônimo disse...

oi Ismael. Pelo jeito a produção anda a toda no teu café hein?

Fausto invertido....ou quase isto....gostei mas achei intrigante e forte.

Beijos e boa semana