Café Alexandrino - O lado aromático da vida

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Depois da festa, vem o café

Conto


Aquele pôr-do-sol havia sido um dos mais belos espetáculos que eu presenciara. A noite entrara mansa naquele recinto. O chão de tábua corrida em tom chocolate - impecavelmente encerado - trazia uma elegância peculiar àquele ambiente. O brilho do lustre e dos copos de cristal parecia refletir minh'alma.

Entrei devagarzinho, olhando de soslaio cada movimento, enquanto acostumava meus sentidos. Garçons prestativos transitavam entre os convivas. Homens muito bem vestidos desfilavam cabelos grisalhos, ternos escuros e mulheres lindas, nem sempre suas. Sorridentes, a maioria esbanjava o sucesso de vários anos de trabalho.

Enquanto ia pegar uma tulipa de Champagne, ouvi alguém animado. "Venha cá, Clarice! Quero te apresentar Nuno Rossi!". A moça sorriu e, na companhia do anfitrião daquela festa, veio em minha direção. Cumprimentou-me revelando uma educação exemplar, dizendo-me que era um grande prazer me conhecer e que seu pai já havia lhe falado muito bem de mim. Contente e surpreso, sorri. Não imaginava que o diretor da empresa que eu trabalhava tinha uma filha tão bela. Apesar de ser consciente do meu bom trabalho na empresa, não pensava que era tido por seu principal sócio em tão alta estima.

Dona de uma beleza ímpar, do alto do seu salto elegante, conversava comigo descontraída e segura. Ela sabia muito bem quem era. De fato, uma das mais belas moças que eu já tivera oportunidade de conhecer. Entusiasmado com tudo ao meu redor, eu a convidei a brindarmos aquele momento. Ficaria marcado para sempre em nossa mente.

Não demorou e Carlos veio novamente até mim ainda mais animado, acompanhado por uma mulher exuberante. Tão logo pude perceber de onde Clarice herdara tamanha simpatia. Senhora Norma conversou conosco alguns minutos e recomendou que ficássemos à vontade. De longe se podia ver os anfitriões juntinhos conversando com os amigos convidados. Quem visse os dois juntos, imaginaria que aquilo seria o melhor exemplo de amor, cumplicidade e fidelidade. Ledo engano! Quando viajávamos a negócios, não raro, Carlos sempre fazia questão de estar acompanhado por "modelos', como elas gostavam de serem chamadas.

Rod Stewart animava o ambiente com seu último CD. Naquele clima de animação, descontração e troca de gentilezas, Clarice e eu fomos presos num estático olhar. Nossas mãos frias, não tão estáticas, se acariciaram e senti seus olhos aproximarem dos meus. Sentia-me hipnotizado. Podia me ver claramente em suas pupilas. Por um momento, esqueci do que acontecia à nossa volta.

Clarice puxou-me em direção à escada de acesso a uma galeria de onde se via o grande salão de festa. Decidida, ela me levou para a parte restrita daquela mansão. Seu quarto esbanjava luxo e bom gosto. Mesmo com a porta fechada, podíamos ouvir a envolvente trilha sonora do andar inferior. Eu não sabia muito bem o que falar. Na verdade, não tinha o que falar. Quando tentei esboçar algumas palavras, Clarice beijou-me longamente. Deslizava os dedos entre seus cabelos, lhe acariciava as costas, sentia sua pele aveludada por um generoso decote.

Amei-a intensamente! Amei-a como nunca havia amado ninguém. Continuei a amá-la, mesmo depois que seu pai me demitiu ao saber do ocorrido. Sinceramente não entendi a atitude do velho, pois fora ele mesmo que, empolgado, me apresentara sua filha. Talvez seja apenas mais um marido infiel e um pai incoerente que sustenta uma vida de aparências como muitos que se vêem por aí. Sei que amei-a intensamente.

Um metro e setenta e cinco desfilando elegantemente um perfil delgado, revestido por uma pele morena, com um sorriso macio e fácil, um olhar altivo e com um coração grifado meu nome. Será que não tenha sido visto?
Se alguém tiver notícia, diga, por obséquio, que estarei sempre no Café Alexandrino, pois é um lugar diferente de todos que já vi. Nele ninguém vive de máscaras e fantasias, não se pergunta nome, nem idade, nem mesmo origem. Fala-se do hoje. Fala-se de coisas boas do passado. Projeta-se minimamente o futuro. Vive-se! ...Avisem à Clarice, por favor. Avisem ao meu amor.

Ismael Alexandrino



Ao som de 'Tonigt's The Night' - Rod Stewart
Degustando Cappuccino de Chocolate com Avelã
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2 comentários:

Anônimo disse...

Buju,de onde ce tira tanta imaginação,ce tá cursando medicina do pensamento eh...tirando a mulekagem,o texto é ótimo,digno de uma parte boa de um filme de romance,abraço fio.

Anônimo disse...

Olá Ismael, a quanto tempo.... Espero que o tempo que passou longe tenha sido bom, divertido e bem gasto, mas deixou saudades.
Adorei o conto. Como sempre.
Bom te ter de volta, espero que por muito tempo
Beijocas