Café Alexandrino - O lado aromático da vida

terça-feira, 8 de novembro de 2005

É tempo de renascer

Crônica

Por esses dias estive pensando no dia em que eu nasci. Numa madruga marcante de uma terça-feira estava lá eu chutando a barriga da mamãe, espremendo e causando-lhe dores horríveis. Fora mais ou menos na época de meados do ano. E numa manhã ensolarada de um 26 de julho, às 8:30, eu rebentei. Rebentei, mas não pensem que explodi. Quem explodiu de alegria foi o papai que fotografava cada movimento. Confesso que fiquei irado quando me vi na foto virado de cabeça pra baixo e levando palmadas no bumbum. Na época papai me explicou que era pra que eu respirasse.

Por longas datas fiquei imaginando porque eu precisa apanhar para respirar, porque eu precisava passar por aquele sofrimento logo no início da vida. Sendo a vida tão boa, ficava matutando porque aquele momento tão delicado de trazer um ser à vida trazia consigo gestos de extrema dor. A mamãe me disse depois que a dor que ela sentiu era indescritível, mas que valeu a pena. A dor que senti me fez chorar muito e, hoje crescido e respirando bem, também concordo que valeu a pena. Papai vendo tudo aquilo me disse que seu coração doía, mas que foi bom para ele enxergar algumas coisas.

Os anos se passaram. Cismaram que eu era "engraçadinho". Também, pudera! Um ser de fralda, todo mijado, sem dentes e que ainda assim insistia em sorrir, só poderia ser visto como "engraçadinho". Um dia resolvi calçar as botas do papai. Gostaram tanto que tiraram foto. Até que chegou o dia em que mamãe e eu fomos comprar uma lancheira do Didi, Dedé, Muçum e Zacarias para eu ir para escola. Lacei a alça no pescoço e fui todo importante e sorridente. Disseram-me que eu ia aprender a ler com a tia. Aprendi, de fato. Mas como foi doloroso diminuir as horas do lado do meu carrinho força bruta vermelho e da minha bola de couro número quatro. Doeu-me todo esse processo, mas me foi benéfico. Admito.

Depois de alguns poucos anos de estudo, aprendi que as verduras e legumes faziam bem à saúde. Tia Lúcia que me disse. Cheguei em casa, contei para o papai e ele se aproveitou disso. Encheu uma mão de chiclete 'Ploc de tuti-frutti'-- daqueles bem duro que todo mundo já comeu -- e na outra alguns jilós bem verdinhos e brilhantes. A cada jiló que ele cortasse e eu comesse, teria o prazer de mastigar aquela borracha rosa docinha. Eu f inúmeras caretas, mas engolia satisfeito com o prêmio que viria depois. Era terrível aquele gosto amargo, mas sorria com o docinho do 'Ploc', que logo acabava. Nessa época eu já tinha dentes. Alguns caindo, é verdade, mas adorava mostrar meu sorriso desigual.

De tanto comer jiló amargo fui crescendo. Meu chute na bola número quatro já saia potente. Das equações algébricas no quadro negro-verde, já extraia a raiz com facilidade. Pena que toda reunião de pais, chamavam minha mãe em um canto. Não havia queixa das notas, que até o oitavo ano nunca foram menores que as máximas, mas diziam que eu era muito "peralta". Nesses dias, eu sempre dava um jeito de dormir mais cedo, antes que ela chegasse. Dormia de um lado apenas. Do outro ouvia ela dizer ao papai que no outro dia teria uma "conversa séria comigo" (eu até encolhia na cama). Depois de muito falatório das peraltices, me parabenizava pelas notas. Foi assim por várias e várias vezes.

Corri muito, empinei muita pipa, joguei peão. Assisti Tunder Cat ("hoooooooou!"), corrida maluca e inspetor buginganga ("hihihihi"). Fui artilheiro do time, chorei porque perdi um campeonato de natação numa categoria acima da minha, alegrei-me várias vezes em outras conquistas. Em todos os momentos, no entanto, percebi que não existiram vitórias sem lutas. Não houve alegria sem tristezas. Não houve prazer sem o sofrimento. Não houve o sorriso sem o lamento. Começamos a vida sendo espremido, depois somos virados de cabeça para baixo num mundo novo. Então apanhamos, choramos, sofremos. Tudo com a justificativa de que é para se respirar e poder viver bem.

Diante de tudo isso, vem-me à tona quando o Grande Arquiteto do Universo diz na Enciclopédia Sagrada que para tudo há um tempo. Tempo de plantar e tempo de colher, tempo de chorar e tempo de sorrir, tempo de odiar e tempo pra amar, tempo de guerra e tempo de paz....e nesse embalo salta-me aos olhos que as derrotas e os sofrimentos nada mais são do que acontecimentos para nos fazer crescer, aprendermos e valorizarmos a vitória. Que, depois da tempestade, o mar se acalma e vem a bonança.

Noutro tempo, fora tempo de nascer. Depois de crescido e de tanta dor, creio que seja tempo de renascer.

Ismael Alexandrino


Ao som de 'É preciso saber viver' - Titãs
Degustando Café com Canela
Posted by PicasaImagem: 'Renascer' - Maria Thereza Neves

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei teu texto...quer dizer q as notas nunca foram menores que as máximas? kkkkkkkkkk..mas eh metiiido esse goiano!
Bju rpz!

Anônimo disse...

Seu blog é gostoso como uma caneca de café aromatizado de chocolate pela manhã...